SILVIO OSIAS
O que é que Anchieta Maia tem a ver com Dom Hélder Câmara?
Colunista lembra de um encontro com o arcebispo nos anos 1970.
Publicado em 05/11/2025 às 7:22

Anchieta Maia, de 72 anos, morreu nesta terça-feira, quatro de novembro de 2025. Enfrentava há muitos anos um quadro severo de diabetes e tinha câncer.
Conheci Anchieta Maia na antessala de Carlos Aranha, no tempo em que este era diretor da Rádio Tabajara. Isso foi em meados da década de 1970.
Mas só me aproximei dele um pouco depois, em 1978. Eu era aluno do terceiro ano no Colégio e Curso União. Anchieta comandava o centro cívico.
Anchieta não era aluno, mas funcionário do colégio, que funcionava no Parque Solon de Lucena. Era uma espécie de agitador cultural, à frente de todos os eventos.
A imagem que guardo dele é a de um cara que veio da mais absoluta pobreza, no bairro da Torre, e que lutou incansavelmente para ter uma vida melhor.
E conseguiu. As vitórias que ele obteve, os espaços que conquistou - tudo foi fruto da sua inteligência, das suas intuições, da sua capacidade de empreender.
Sempre admirei em Anchieta a coragem que ele teve de assumir sua homossexualidade num tempo em que poucos faziam isso. E ele o fez com notável destemor.
No momento em que nos despedimos de Anchieta Maia, conto a história de um encontro incrível com Dom Hélder Câmara que só aconteceu por causa dele.
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O ano era 1978. Cajá estava preso em Pernambuco. Quem era Cajá? Era Edival Nunes da Silva, um estudante ligado a Dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife.
Em João Pessoa, estudante do Colégio e Curso União, eu me preparava para o vestibular. Pretendia cursar Comunicação Social na Universidade Federal da Paraíba.
Perseguido pelo regime militar, cassado, o professor de biologia (depois deputado estadual) Antônio Augusto Arroxelas, um dos donos do colégio, nos deixava à vontade para fazer coisas que não eram permitidas em outros estabelecimentos.
Uma delas: tentar trazer o arcebispo Dom Hélder Câmara, muito visado pelo regime militar, para fazer uma palestra e depois conversar com os alunos do colégio.
Anchieta Maia, muito antes do Moçada que Agita, o empreendimento que o projetou na cidade e marcou sua vida, era o responsável pelo Centro Cívico do União.
Uma manhã, logo cedo, ele chegou todo agitado para trabalhar e nos surpreendeu: "Liguei para Dom Hélder Câmara, e ele nos recebe hoje à tarde".
E lá fomos nós para o Recife: o professor de literatura Ronaldo (um baiano que dizia ser primo de João Gilberto e, deste, tinha o sobrenome Oliveira), Anchieta Maia e mais três alunos do colégio (eu, Dida Fialho e Euni Santos).
Naquela viagem breve e corrida, levávamos o convite para que o arcebispo de Olinda e Recife viesse a João Pessoa conversar com os nossos colegas.
Quando chegamos a Manguinhos, a primeira coisa que chamou a minha atenção foi a absoluta simplicidade do lugar onde Dom Hélder trabalhava.
Uma figura com a dimensão dele, de projeção internacional, vivia ali pobremente. Que bom! Dom Hélder vivia como um verdadeiro cristão!
Logo fomos recebidos. Lá veio o arcebispo com os braços abertos a nos acolher e perguntar: "Meus filhos, o que vocês querem de mim?". E fizemos o convite.
Dom Hélder foi claro em sua resposta: "Eu não vou. Agradeço, mas não posso ir. Cajá está preso por minha causa e não quero que isto aconteça com outros estudantes".
Na recusa de Dom Hélder Câmara ao nosso convite havia a confirmação do que muitos diziam: a prisão arbitrária do estudante Edival Nunes da Silva era uma represália do regime militar à sua atuação como integrante do chamado clero progressista.
Voltamos para João Pessoa frustrados porque ouvimos um não de Dom Hélder. Mas gratificados porque saíramos de um encontro inesquecível. A voz, o abraço, a franqueza, a simplicidade, a firmeza. Tudo apontava para a grandeza daquele homem.

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