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SILVIO OSIAS

Ivan Santos, o garoto da Sorvelanche 36 e os tarecos nas tardes de Cruz das Armas

O compositor, de 72 anos, morreu na Alemanha nesta quarta-feira, 26 de novembro de 2025.

Publicado em 27/11/2025 às 8:09


				
					Ivan Santos, o garoto da Sorvelanche 36 e os tarecos nas tardes de Cruz das Armas
Foto/Reprodução.

"Meu amigo Sílvio Osias, garoto da Sorvelanche 36...". Começou exatamente assim a última mensagem de áudio que recebi de Ivan Santos. Isso foi em 26 de junho de 2025, somente cinco meses atrás, no dia em que completei 66 anos.

Nesta quarta-feira, 26 de novembro de 2025, um câncer muito agressivo matou Ivan Santos num hospital em Frankfurt, na Alemanha. Ele tinha 72 anos.

A Sorvelanche 36, mencionada na mensagem de áudio, era point da juventude de João Pessoa na primeira metade da década de 1970. Ficava na Miguel Couto, que era uma avenida comercial, antes que Dorgival Terceiro Neto construísse a via expressa.

No lado esquerdo da entrada da Sorvelanche 36, havia um pequeno quiosque da Stop - a Parada do Sucesso, que era, naquela época, a melhor loja de discos da cidade.

A loja, que pertencia ao jornalista e futuro marqueteiro Carlo Roberto de Oliveira, ficava na esquina da Miguel Couto com a Duque de Caxias. O quiosque, na Sorvelanche 36.

Eram raras as tardes em que eu não ia à Sorvelanche 36. Celso era o nome do rapaz muito educado, de formação evangélica, que trabalhava atrás do balcão do quiosque.

Na esquina da Miguel Couto com a Duque de Caxias, havia jazz e clássicos, além de MPB e rock. No quiosque, por causa da garotada, predominavam o rock e a MPB.

Numa dessas tardes na Sorvelanche 36, prestei atenção na conversa de um rapaz. Eu tinha 14 anos, e ele, aos 20, contava que assistira ao show de Caetano Veloso no Recife. Era o show do Araçá Azul, o disco mais experimental da carreira de Caetano.

Araçá Azul. Caetano Veloso visto ao vivo. Foram as senhas para que eu, prontamente, me interessasse pela conversa dele. O rapaz era Ivan Santos, que se transformaria, para toda a vida, num dos meus amigos mais queridos.

Ivan Santos era um pernambucano que viera para a Paraíba. Morava com o pai e a mãe numa casa modesta numa das ruas do bairro de Cruz das Armas. Quando ensinava o endereço, costumava ressaltar a sequência numérica: "É 3 - 6 - 9".

Ivan Santos era compositor e já tinha um grupo. Um trio chamado Sopa de Bruxa, um negócio acústico e folk inspirado em Crosby, Stills & Nash. Ivan era alucinado por Crosby, Stills & Nash do jeito que eles se mostraram ao mundo no festival de Woodstock.

Em novembro de 1974, o Sopa de Bruxa estava no adro da Igreja de São Francisco, no I Encontro Artístico Espiritual do Nordeste. "Foi o nosso Woodstock", me disse Ivan, numa conversa que tivemos no dia da morte do compositor Vital Farias.

O Sopa de Bruxa também estava na Coletiva de Música da Paraíba, no Teatro Santa Roza, em 1976, uma série de shows coletivos que nasceu de uma ideia de Pedro Osmar.

Mas o Sopa de Bruxa teve vida curta. Ivan Santos era um compositor talentosíssimo que precisava cuidar do seu trabalho. Ivan era maior do que o Sopa de Bruxa.

Curiosamente, foi através de um outro grupo que ele consolidou a sua presença na música da Paraíba dos anos 1970. Mas conto depois. Antes, um pouco da nossa amizade, e os tarecos em inesquecíveis tardes de domingo, na sua casa em Cruz das Armas.

Frequentei a casa de Ivan Santos para ouvir música com ele. No seu quarto, havia um violão folk, daqueles de Crosby, Stills & Nash, e, devidamete recuperada, a viola que Zé Ramalho "sacrifara" com um punhal durante um show no Teatro Santa Roza.

Havia também discos que Zé Ramalho dera de presente a Ivan antes de ir para o Rio de Janeiro. Um desses discos, duplo, importado, era o Blonde on Blonde, clássico absoluto da trajetória de Bob Dylan, quando este já trocara o folk pelo rock eletrificado.

Nessas audições com Ivan, também estava a primeira versão da ópera rock Jesus Christ Superstar, com o elenco britânico. Se Ivan gostava, eu era apaixonado. Pouca gente sabe que quem fazia Jesus Cristo era Ian Gillan, o incrível cantor da banda Deep Purple.

De uma dessas audições, saí da casa de Ivan com um livro que ele me emprestou: Enterrada Viva, editado entre nós pela Civilização Brasileira, de Ênio Silveira.

Era a depois antológica biografia de Janis Joplin escrita por Myra Friedman. Myra trabalhara como secretária de Albert Grossman, empresário de Janis - e também de Bob Dylan - e seguira de perto a meteórica trajetória da maior cantora do rock.

O pai de Ivan fazia e vendia tarecos. E esses tarecos, ainda quentes e servidos numa bacia de alumínio, estão entre as grandes lembranças daquelas tardes em Cruz das Armas.

Ivan Santos era um homem essencialmente bom. Um dos melhores que conheci. Cheio de afeto e generosidade para compartilhar com quem gostasse dele. Conquistou o coração do meu pai e da minha mãe. Eram uma festa suas visitas à nossa casa em Jaguaribe.

Uma vez, inventamos de fazer um filme em Super 8. A bitola Super 8 estava na moda. Ivan bancou a produção, mas só teve grana para comprar um rolo de filme.

Ele e meu amigo Emídio Cunha, do Observatório Astronômico, foram os atores. Eu fiz a câmera. Começamos em frente ao Plaza, que exibia Tubarão, e descemos até o Cemitério Senhor da Boa Sentença. Tudo experimental, louco como eram loucas nossas cabeças.

Você Seria Capaz de Caminhar Sempre Pelo Mesmo Lado de uma Certa Rua? - esse era o título do filme. Tinha ainda um segundo título, que fazia menção ao personagem Mr. U, mas de tão extenso, preferi não arquivar na minha memória.

Você Seria Capaz de Caminhar Sempre Pelo Mesmo Lado de uma Certa Rua? foi montado pelo meu pai com fita durex. Ivan e eu éramos os diretores. Ivan fez a música, um tema instrumental com pinta de música indiana, meio Shankar, meio Harrison.

Você Seria Capaz de Caminhar Sempre Pelo Mesmo Lado de uma Certa Rua? foi exibido no Cinema Educativo, numa mostra de filmes paraibanos em Super 8.

Nessa mostra, W.J. Solha exibiu a primeira - e já impressionante - versão de A Canga, que, depois, teria a versão dirigida por Marcus Villar e fotografada por Walter Carvalho.

Na cena musical paraibana da década de 1970, Ivan Santos, como autor, se fez presente com um grande hit local: era Ilha do Bispo, um brado ambientalista sobre um menino que morava no bairro atingido pela poluição da fábrica de cimento.

A década de 1970 estava terminando, a Escola Piollin - a primeira, por trás da Igreja de São Francisco - estava no auge, como point cultural da cidade, e foi lá que nasceu Falando Música, um dos melhores shows da música popular produzida na Paraíba.

Ivan Santos, voz e violão, vinha do Sopa de Bruxa. Tadeu Mathias, voz e violão, vinha de Baião de Dois, recital acústico com a ainda pouco conhecida Elba Ramalho. E Firmino Alves, percussão, vinha do trio Ave Viola. Falando Música era o encontro dos três.

Falando Música. Química mais que perfeita dos três caras no palco. Ivan, Tadeu e Firmino. Um show primoroso, bem pensado, bem ensaiado, arrebatador. Vi todas as noites. Primeiro, na Piollin. Depois, no Santa Roza. Uma performance extraordinária do trio.

Depois, o Rio. Um sonho daquela época. Um sonho difícil, que nem sempre se tornava realidade do jeito que a gente desejava. Ivan fez a parte dele - muitas vezes, com parceiros incríveis, como Lenine e Bráulio Tavares - e foi, por fim, morar na Alemanha.

Fez música na Europa, tocou em palcos europeus, gravou discos por lá, voltou regularmente ao Brasil e à Paraíba. Amou e foi amado na Alemanha. Vivia em Frankfurt. Morreu em Frankfurt. A morte de Ivan Santos deixou seus amigos devastados.

Foto/Reprodução

Silvio Osias

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