VIDA URBANA
Carroças serão proibidas em ruas
Semob estuda regulamentar o transporte em João Pessoa, impedir tráfego em locais específicos e limitar os horáriuos de circulação.
Publicado em 27/04/2014 às 6:00 | Atualizado em 29/01/2024 às 12:19
A circulação de carroças será proibida em determinadas ruas e avenidas de João Pessoa e este tipo de transporte terá horários específicos para circulação no trânsito. É o que prevê uma regulamentação da Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana da capital (Semob) e que está em fase de estudo, segundo informou o superintendente do órgão, Nilton Pereira.
De acordo com ele, a regulamentação estará de acordo com as normas previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), e trará recomendações aos condutores que utilizam este tipo de transporte. “A regulamentação vai determinar as vias que esses veículos poderão circular, os horários permitidos, bem como o tipo de carroça. Com a regulamentação, os proprietários deverão portar o atestado de saúde do animal emitido por veterinário, conforme previsto no CTB”, disse o superintendente, sem revelar a previsão para o funcionamento da norma.
O CTB, elaborado pela lei 9.503/97, indica que os órgãos ou entidades responsáveis pela execução do trânsito nos municípios é quem autoriza a circulação dos veículos de tração animal (carroças ou charretes) nas vias públicas. Conforme o Código, cabe aos órgãos e entidades executivas de trânsito municipais “registrar e licenciar, na forma da legislação, ciclomotores, veículos de tração e propulsão humana e de tração animal, fiscalizando, autuando, aplicando penalidades e arrecadando multas decorrentes de infrações”.
Contudo, a Semob não se pronunciou sobre a fiscalização e sem a efetivação desse trabalho, os motoristas reclamam que as carroças atrapalham o tráfego e oferecem risco de acidentes. Há quase 40 anos atuando como taxista no bairro de Tambiá, Pedro Francelino lembra que já viu muitos acidentes envolvendo carroceiros, inclusive com crianças. Apesar da experiência na convivência diária no trânsito da capital, ele conta que dobra a atenção quando vê carroceiros dividindo espaço com os veículos.
“O motorista tem que ficar atento o tempo todo, porque a gente nunca sabe como o animal poderá reagir aos barulhos, presença de muitos carros. Ano passado vi um acidente em que a carroça bateu em um táxi e o motorista ficou no prejuízo, já que não teve fiscalização”, reclamou o motorista.
Trabalhando há mais de 20 anos como catador de material reciclável, Edmilson da Silva todos os dias prepara a carroça e sai de casa, no bairro de Mandacaru, às 4h. Durante nove horas diárias de coleta nas ruas da capital, passando também por rodovias federais, é com a renda desse trabalho que ele sustenta os seis filhos. Apesar do cansaço e desconforto causado pelo calor, Edmilson conta que sempre está atento para não se envolver em acidentes ou prejudicar os motoristas.
“Quando vejo que a carroça está muito carregada e o trânsito agitado, eu encosto e deixo os carros passarem. Quando eles passam, aí eu continuo, mas sempre trabalhando com atenção”, disse o carroceiro.
Na opinião do servidor público Alexsandro Cardoso, a convivência entre condutores e carroceiros fica mais delicada nos horários mais movimentados do trânsito, como o final da manhã e início da noite. Para ele, o ideal seria que os carroceiros tivessem um espaço reservado para trafegar e ficar livre de acidentes.
“O bom seria se houvesse uma via apropriada para esse tipo de transporte. A gente vê que esse é o trabalho deles e eles precisam. Porém, têm ruas em João Pessoa muito apertadas, com pouco acostamento e isso causa bastante alvoroço no trânsito”, declarou o condutor.
PERIGO DE ACIDENTES
As marcas de calos nas mãos e a pele queimada pelo sol denunciam o esforço diário de Maria de Lourdes Nascimento, que após 15 anos trabalhando como catadora no antigo Lixão do Róger, voltou às ruas e há dois anos percorre as principais vias do Centro da capital a procura de papelão, plástico, alumínio e outros materiais recicláveis. Para realizar o trabalho, ela utiliza um carrinho de coleta e a passagem entre os veículos já resultou em um acidente de trânsito.
“No ano retrasado eu passava pelo acostamento e uma moto bateu no meu carrinho e eu caí. A sorte que não foi grave e arranhei os braços. Por causa disso fiquei com medo e hoje só ando pela calçada, porque a gente não vai procurar a morte”, disse Maria de Lourdes.
Assim como os trabalhadores que circulam no trânsito utilizando carrinhos de coleta, a presença dos vendedores ambulantes, como os que utilizam carrinhos para a comercialização de CDs e DVDs, frutas e sorvetes, também podem oferecer risco de acidentes. Na capital, um dos locais de maior concentração desse tipo de carrinhos são as feiras livres, o Terminal de Integração e o Parque Solon de Lucena (Lagoa), no Centro.
Nas ruas, os condutores reclamam e alegam que os carrinhos dos ambulantes, que circulam na pista, deixam o trânsito lento.
“Tem dias que para você trafegar aqui no Mercado Central é uma luta, principalmente nos dias de maior movimento. Ficam muitos carrinhos de ambulantes na pista e temos que ter muita atenção”, disse o professor José Carlos dos Santos.
No Parque Solon de Lucena a movimentação de carrinhos de ambulantes na pista e na calçada é tanta que prejudica também a segurança dos pedestres. “Aqui a gente mal pode se movimentar e às vezes fica difícil até estacionar”, reclamou o taxista Genilson Rodrigues.
TRABALHO COM CARROÇAS AJUDA NA RENDA
Aos 52 anos, Arnaldo Paiva trabalha há 15 como catador de material reciclável em João Pessoa. Devido ao alcoolismo, ele foi afastado do cargo de soldado da Polícia Militar, em 1990. Após trabalhar como vigilante e porteiro, resolveu retirar do lixo o sustento da família e trabalha em uma carroça com a esposa, percorrendo os bairros do Centro, Torre e Expedicionários na capital.
“Essa era a profissão do meu pai. Só que ele trabalhou carregando material de construção. Como não tive a chance de estudar, foi só o que restou. É um trabalho honesto e é de onde tiro o sustento da casa”, disse Arnaldo, acrescentando ainda que com a renda mantém os estudos do filho mais novo de 12 anos e da neta de 5.
Os dois jumentos que puxam a carroça do catador são tratados com carinho pela família e têm um espaço reservado no quintal da casa de Arnaldo. Apesar de dividir os cômodos do casebre onde moram, na comunidade do “S”, com os móveis e o material coletado para venda, Maria dos Santos Santana, esposa do catador, conta que se sente feliz com o trabalho e que a renda, cerca de R$ 600 por mês, dá para manter a casa. “A gente se esforça para fazer o que pode. As crianças estão na escola e vão ter um futuro melhor”, conta.
A mesma dedicação aos filhos têm os catadores José Guilherme da Silva e Adilson Oliveira, que moram em Santa Rita, na Região Metropolitana da capital. Os dois também trabalham utilizando carroças e a coleta de material reciclável, além do trabalho da triagem no Aterro Sanitário de João Pessoa, são a única fonte de renda dos dois e garantem a assistência aos filhos. “A gente vive disso mesmo e tem dias que eu vou para o aterro somente com o dinheiro da passagem. É com esse trabalho que a gente sustenta a casa, porque os meninos ainda são pequenos”, disse Adilson de Oliveira.
ANÁLISE DA NOTÍCIA
Por: Luiz Carlos André
diretor da Ong Educar para o Trânsito Educar para Vida
TRÂNSITO É UM DIREITO TANTO DO CARROCEIRO, QUANTO DO MOTORISTA E PEDESTRE
“O trânsito é um direito de todos. Tanto o carroceiro, quanto o motorista e o pedestre têm o mesmo direito. Qualquer tipo de projeto de mobilidade tem que ser comprovado com aquilo que está obstruindo o trânsito para não tirar o direito constitucional do outro e nem infringir o Código de Trânsito.
Essa questão das carroças é um assunto delicado que tem que ser estudado para não tirar o direito dos pequenos, porque aquele é o meio de sobrevivência deles. Toda cidade grande tem planos de mobilidade urbana onde o pedestre, ciclista e o carroceiro tenham sua mobilidade”.
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