CULTURA
Feijão, arroz e Gonzaga
Filme mostra a vida do rei do baião, Luiz Gonzaga.
Publicado em 30/10/2012 às 8:00
Breno Silveira (2 Filhos de Francisco, À Beira do Caminho) é o diretor nacional que, atualmente, faz o melhor 'feijão com arroz temperado com Sazon' do mercado. Há que se reconhecer seu mérito em manejar o melodrama com mais desenvoltura que os seus contemporâneos, preocupados em inflar as bilheterias de seus filmes aproveitando a tradição televisiva do espectador brasileiro para fazer de seus títulos grandes novelas, 'chutando o balde' da sétima arte.
É preciso analisar Gonzaga - De Pai Pra Filho (Brasil, 2012) sem cair na armadilha da homenagem ao centenário de Luiz Gonzaga e seu clamor popular, algo que, unido ao retrospecto do cineasta (dramas familiares abraçando ícones do nosso cancioneiro), já seria suficiente para pousar um olhar passional sobre o longa, uma boa obra de cinema, mas com irregularidades que talvez passem ao largo da comoção que ela há de (fortuitamente) criar em nossas salas.
A mais gritante delas vem acompanhada da ressalva de uma indiscutível semelhança não só entre o elenco e personagens reais, mas - talvez até mais importante -, entre o próprio elenco (em se tratando, por exemplo, de um Gonzaga retratado em várias fases da vida): é a utilização de atores e não atores e destes exibindo uma atitude dramática extremamente discrepante daqueles.
Todos os Gonzagões estão aquém do desempenho exigido pelo papel, a ponto de a fotografia do filme penar, nas cenas mais importantes, para desviar-se da expressão dos não atores e focalizar nos atores - alguns de um talento descomunal e irrepreensível, como Júlio Andrade que, no papel do Gonzaguinha maduro, reina absoluto sobre os seus pares.
Gonzaguinha é, por sinal, puxando um cacoete de Breno Silveira de dar um peso inesperado a um personagem que não é o aparente protagonista da trama (vide 2 Filhos de Francisco), a grande figura deste filme: ele suscita os momentos mais interessantes da história, calcada no conflito geracional, ideológico e, sobretudo, regional, de um Gonzagão criado no Exu (PE), numa época de estiagem, paternalismo e cangaço, e um Gonzaguinha crescido em um morro carioca, traumatizado pelo abandono paterno, enfrentando tudo o que, numa abordagem psicanalítica, podia remeter à influência do pai em sua vida (a ditadura inclusive).
O cômico em Gonzaga também vem em socorro dos desvios de interpretação do elenco: a passagem da turnê de Luiz Gonzaga em que ele contrata uma nova dupla, “Custo de Vida” e “Salário Mínimo” (um zabumbeiro esguio e um triangulista anão), para viajar o Brasil é uma das mais deliciosas do longa, que prescindiria das intervenções documentais antes do desfecho (como as fotos que mostram Gonzagão no quartel ou na igreja, casando).
Lembrando, enfim, que Gonzaga – De Pai Pra Filho não passará, para a maior parcela do público, como uma justa homenagem a dois dos mais influentes nomes da música de nosso Brasil, o filme é um êxito merecido e uma produção que se torna referência quando o assunto é cinebiografia por aqui.
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