VIDA URBANA
Uma história de luta pelos trabalhadores
Há 30 anos morria Margarida Maria Alves, líder sindical assassinada com um tiro no rosto.
Publicado em 11/08/2013 às 12:00 | Atualizado em 14/04/2023 às 15:55
Quando os sindicatos eram atrelados a governos, ela apresentou ao país uma nova forma de fazer sindicalismo. A paraibana Margarida Maria Alves dedicou a vida à luta pelos direitos dos trabalhadores rurais e acabou revolucionando a atuação das entidades sindicais brasileiras. Nascida e criada no município de Alagoa Grande, no Brejo da Paraíba, ela foi a primeira mulher presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade.
O lema dela era: “É melhor morrer na luta que morrer de fome”.
Foi uma guerreira contra a escravidão e por defender os direitos dos trabalhadores rurais que eram explorados pelos latifundiários.
Ela pagou com a sua vida o preço por batalhar pela justiça social. No dia 12 de agosto de 1983, um pistoleiro disparou um tiro de escopeta calibre 12 em seu rosto, quando ela estava na frente de casa, ao lado do marido e do filho.
A vida de Margarida chegou ao fim há 30 anos, mas ela deixou um legado que resultou em uma série de conquistas para a classe trabalhista rural, como carteira de trabalho assinada, jornada diária de oito horas, 13º salário, férias, de modo que as condições de trabalho no campo passaram a se equiparar ao modelo urbano. Para o professor de Sociologia do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) Francisco de Assis, a militante, com suas ações, pautou uma nova forma de sindicalismo porque enfrentou o poder estatal e interesses do latifúndio.
“Foi a partir do embate que Margarida Maria Alves fez que surgiram as campanhas salariais para a classe trabalhadora do setor canavieiro. Ela tinha formação política classista e se destacou por essa orientação, se transformando em um marco para as comunidades que tanto sofreram. Ela teve coragem de entrar nessa luta em pleno período de ditadura militar e chegou a fundar o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural, uma iniciativa que, até hoje, contribui para o desenvolvimento rural e urbano sustentável, fortalecendo a agricultura familiar”, ressaltou o professor.
Francisco destaca que, à época, Margarida Maria Alves fez diferente de todos. “Os sindicatos foram criados por forças políticas, para combater as ligas camponesas. A maioria dos sindicatos, atrelados a governos, não batia de frente contra os interesses dos poderosos. Ela se opôs a isso, quebrou paradigmas e foi a partir dela que as entidades sindicais passaram a atuar realmente em defesa dos trabalhadores”, salientou o professor.
AMEAÇAS NÃO FIZERAM A LÍDER SINDICAL DESISTIR
“Ela era uma líder sindical autêntica. O povo a admirava por sua atitude e coragem”. É assim que o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Nova e coordenador do Polo Sindical da Borborema, Manoel de Oliveira, define Margarida Maria Alves. Ele conviveu com a militante ruralista por vários anos e, com ela, esteve à frente de várias campanhas trabalhistas para garantir justiça social aos homens e mulheres do campo.
Manoel conta que quanto mais as ações contra os latifundiários eram intensificadas, mais eles sofriam ameaças, chegando a serem vítimas de emboscadas. Mas, conforme frisou o sindicalista, isso nunca foi motivo para Margarida Maria Alves sequer pensar em abrir mão dos seus princípios e desistir de defender aqueles que precisavam.
“Corremos muitos riscos, passamos muitas pressões. A luta pelos direitos dos trabalhadores foi árdua. Um dia antes de sua morte, eu estive com ela em Guarabira, em um encontro de sindicalistas. Ela falava do sonho de transformar a luta trabalhista em lei. Morreu sem ver muitas das conquistas alcançadas graças às suas lutas, mas deixou um legado que nunca será esquecido”, disse o sindicalista.
Apesar das muitas conquistas alcançadas, na avaliação de Manoel de Oliveira, o trabalhador rural ainda tem muito pelo que lutar. “A efetiva Reforma Agrária ainda está longe de ser alcançada e é uma causa pela qual a luta deve continuar e se fortalecer”, avaliou.
Esta luta carrega consigo a figura de Margarida Maria Alves que, com sua morte, passou à condição de mártir. Tornou-se um símbolo político, representativo das mulheres trabalhadoras rurais, que deram seu nome ao evento mais emblemático que realizam, a Marcha das Margaridas, uma mobilização nacional que reúne em Brasília (DF) milhares de mulheres trabalhadoras rurais a cada ano, sempre na data de 12 de agosto, dia da morte de Margarida Alves.
AÇÕES E DENÚNCIAS
Nos 12 anos de gestão de Margarida Maria Alves, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande moveu mais de 600 ações trabalhistas e fez diversas denúncias, até mesmo contra o presidente da República do Brasil, João Batista Figueiredo, em 1982. Com o surgimento do Plano Nacional de Reforma Agrária, a violência no campo foi intensificada por parte dos latifundiários, que não queriam perder suas terras, mesmo as improdutivas.
Por isso, o trabalho de Margarida Alves na defesa dos direitos dos trabalhadores entrou em conflito com os interesses dos latifundiários e ela passou a ser uma ameaça para eles. No discurso em comemoração do 1° de maio de 1983, na cidade de Sapé, ela disse: “Eles não querem que vocês venham à sede porque eles estão com medo, estão com medo da nossa organização, estão com medo da nossa união, porque eles sabem que podem cair oito ou dez pessoas, mas jamais cairão todos diante da luta por aquilo que é de direito devido ao trabalhador rural, que vive marginalizado debaixo dos pés deles”.
CRIME SEM CONDENADOS
As palavras de Margarida Maria Alves no dia 1° de maio de 1983 foram a gota d’água para a fúria de latifundiários contra a líder sindical. Sua morte foi encomendada e, três meses e 11 dias depois do seu discurso, quando ela estava na frente da residência, acompanhada do marido e do filho, um pistoleiro de aluguel chegou em um Opala vermelho e disparou em sua face um tiro de escopeta calibre 12. Após 30 anos, nenhum dos envolvidos no crime foi condenado.
O caso foi parar na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização das Nações Unidas, a pedido das organizações não governamentais Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (Cejil), o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves (FDDH-MMA).
Para o coordenador executivo do Gajop, Rodrigo Deodato, ainda não foi feito justiça no caso de Margarida Alves. “Não foi feito o devido enquadramento dos implicados no processo”, pontuou.
Segundo relatório enviado pelas entidades civis ao CIDH, inicialmente o Ministério Público (MP) apresentou a denúncia contra as três pessoas identificadas, em 22 de dezembro de 1983, como envolvidas no assassinato. O crime teria sido cometido a mando de fazendeiros locais, sendo o intermediário destes Antônio Carlos Regis e consumado pelos irmãos Amauri José do Rego e Amaro José do Rego.
Os acusados foram a julgamento perante o Tribunal do Júri em 17 de dezembro de 1985. No entanto, o único acusado levado efetivamente a juízo foi Antônio Carlos Regis, declarado absolvido em 5 de julho de 1988, pelo voto da maioria simples do júri. O processo criminal foi suspenso com relação aos dois réus que estavam foragidos. O MP interpôs recurso de apelação contra a decisão do Tribunal do Júri, mas manteve-se a absolvição.
Ainda conforme o relatório, em agosto de 1986 o caso teve uma reviravolta, após depoimento de Maria do Socorro Neves de Araújo afirmando a participação de latifundiários na morte da sindicalista. Ela era viúva de Severino Carneiro de Araújo (Biu) que, segundo a declarante, participou do crime contra a líder sindical e foi assassinado, em 13 de janeiro de 1986, por revelar detalhes dessa morte quando se encontrava em estado de embriaguez.
Em 1995, o MP denunciou Aguinaldo Veloso Borges, Zito Buarque, Betâneo Carneiro e Edgar Paes de Araújo (Mazinho) pelo assassinato da líder sindical. Dos quatro suspeitos, só um foi levado a julgamento. O acusado Edgar Paes de Araújo foi assassinado em 1986. Aguinaldo Veloso Borges faleceu em 1990. No tocante a Betâneo Carneiro, ele foi beneficiado pela prescrição penal e excluído do processo penal em 1997 e seu paradeiro permanece desconhecido.
Ainda conforme o relatório, o único processado pela morte de Margarida Alves foi Zito Buarque, que permaneceu preso por três meses durante a instrução processual. A ordem de prisão foi revogada sob o argumento, entre outros, de que o acusado tinha emprego fixo e residência definida. Ele passou a aguardar o julgamento em liberdade. Em 18 de junho de 2001, o acusado foi julgado e absolvido pelo Tribunal do Júri da Comarca de João Pessoa.
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