CULTURA
Cor em polêmica ebulição
Apesar do atraso, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, 'Azul é a Cor Mais Quente' já pode ser visto no cinema em João Pessoa.
Publicado em 20/03/2014 às 6:00 | Atualizado em 11/01/2024 às 18:43
Azul é a Cor Mais Quente (La Vie d'Adèle - Chapitres 1 et 2, França, 2013) faz jus ao seu título. As polêmicas vão desde o filme ser repudiado pela autora da HQ homônima em que se baseia o filme, a francesa Julie Maroh (confira a crítica do álbum e uma entrevista com a autora abaixo), passando pelas acusações das protagonistas de terem sofrido nas mãos do seu diretor, o franco-tunisiano Abdellatif Kechiche, em virtude das espontâneas e longas cenas de sexo entre elas.
O longa-metragem chega no CinEspaço (MAG Shopping), em João Pessoa, praticamente ‘esfriado’ com o atraso de mais de três meses após seu lançamento oficial no circuito nacional, no começo de dezembro do ano passado.
Azul é a Cor Mais Quente mostra Adéle (interpretada por Adèle Exarchopoulos, atriz apelidada de “nova Brigitte Bardot” pelos críticos em Cannes), uma jovem de 15 anos que descobre o amor ao conhecer Emma (Léa Seydoux, de A Bela Junie), uma garota mais velha e de cabelos azuis.
Ignorado pelo Oscar este ano, a película arrebatou a Palma de Ouro em Cannes na edição do ano passado. Foi um prêmio triplo inédito para o realizador e as duas atrizes principais, anunciado pelo presidente do júri, o cineasta Steven Spielberg, enfatizando que o prêmio não foi político, já que uma grande manifestação contra o casamento homossexual era realizada no mesmo dia, em Paris.
Depois de envolver em tanta polêmica mundo afora, o filme ainda acumulou mais uma no Brasil: no mês passado, a distribuidora Imovision divulgou as dificuldades que estão impedindo a produção de ser lançada em blu-ray no Brasil.
A distribuidora independente argumentou que as empresas responsáveis por fabricar a mídia no país se recusaram a fabricar o blu-ray por conta de seu teor lésbico – que inclui as tórridas cenas de sexo. O filme será comercializado apenas em DVD.
CONSEQUÊNCIAS
O atraso da estreia nas telonas paraibanas tem as suas consequências: a partir de hoje, Azul é a Cor Mais Quente entra no catálogo do serviço por assinatura Now, da Net HD (sistema de ‘aluguel’ digital, por 48 horas).
Encontra-se disponibilizado, também em alta definição, o italiano A Grande Beleza, vencedor este ano do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, que continua inédito nos cinemas da Paraíba.
HISTÓRIA EM QUADRINHOS POLITIZADA
Lançado em novembro no Brasil pela Martins Fontes, Azul é a Cor Mais Quente (160 páginas, R$ 39,90) mostra as descobertas de um novo mundo e a perda da inocência, com personagens dignas da complexidade do amadurecimento.
Na HQ, Adéle é Clémentine, uma adolescente que leva uma vida normal, preocupada com a época de provas ou sendo alvo de flertes de garotos da escola. Mas algo está errado: sua vida está 'acinzentada'. Em um belo dia, uma garota de cabelos e olhos azuis aparece destacada no meio da multidão e sorri para ela: é amor à primeira vista.
Belamente ilustrado, o álbum mostra todo o 'bê-á-bá' das crises adolescentes sem saídas didáticas ou fáceis, além de exaltar um lado mais político, ausente no longa-metragem, um reflexo da própria quadrinista, ativista do movimento pelos direitos dos homossexuais.
PRIORIZANDO A COR DO SENTIMENTO
Com três horas de duração, Azul é a Cor Mais Quente tem um voyeurismo evidenciado nos planos e contraplanos, longas sequências, closes e detalhes envolvendo as protagonistas.
Distanciando da HQ, o diretor Abdellatif Kechiche oferece contornos mais intimistas do que panfletário sobre o amadurecimento sexual perante uma sociedade onde o conservadorismo e a extrema direita espancam os direitos humanos. A construção do desejo e - acima de tudo - do relacionamento deixa as duradouras e 'polêmicas' cenas de sexo (as atrizes usavam uma fina membrana de silicone nas vaginas para as 'simulações') em segundo plano.
Independente dos limites que o filme possa ultrapassar, o que se segue é um relato honesto (e às vezes exagerado nas ótimas atuações da dupla) sobre a procura incansável pelo amor e pela felicidade, o maior dos clichês.
ENTREVISTA - Julie Maroh, autora da HQ 'Azul é a Cor Mais Quente'
Por que você escolheu as histórias em quadrinhos?
Eu faço quadrinhos desde que aprendi a segurar um lápis.
Desenhei minha primeira página quando tinha seis anos de idade e fiz minha primeira série entre meus oito e 10 anos.
Desde então nunca mais parei. O dom chegou naturalmente e me pareceu óbvio. Faz parte de mim desde que eu era criança, por isso é difícil considerá-lo uma “escolha”. Eu me formei no Ensino Médio com especialização em artes e, então, fui a Bruxelas para um workshop de quadrinhos no Instituto St. Luke.
Foi onde comecei a desenhar o Azul..., em meu tempo livre. Eu tinha 19 anos.
Azul é a Cor Mais Quente é, em parte, autobiográfico?
Embora eu seja lésbica, isso não significa que sempre que crio uma personagem homossexual ela se baseie em mim. Essa é uma suposição muito simplista, até mesmo alarmante. Meus métodos como autora são parecidos com os de um ator.
Eu tenho de esquecer de mim mesma e permitir que os personagens assumam o controle, vivam em mim e me guiem de acordo com a personalidade deles. Depois eu transcrevo isso da maneira mais precisa possível. Então, não, este livro não é autobiográfico, todos os personagens e acontecimentos são fictícios. Mas isso não torna a história menos realista.
De acordo com o que eu tenho visto e ouvido, todos nós passamos duramente pelos mesmos patamares e etapas (e algumas pessoas não sobrevivem a isso) quando percebemos que somos homossexuais e devemos nos assumir.
A HQ, portanto, retrata de modo geral aquilo com que muitos adolescentes homossexuais, transgêneros e com orientação sexual indefinida têm de lidar tanto internamente como no ambiente em que vivem. E, claro, é também uma história de amor entre duas pessoas, que criei para ilustrar que essas identidades e a própria história são tão poderosas como as que ocorrem na sociedade heterossexual (que é estabelecida como norma).
Qual é o significado do título, que é um tanto contraditório? A cor tem um significado especial para você?
Usar o azul em vez de qualquer outra cor foi puramente uma questão de escolha gráfica. Por um processo de eliminação, o azul é a cor mais neutra e a mais “geral” para se unir às sequências de preto e branco.
Na verdade, não é nada além disso. Quanto ao título, trata-se de uma menção a um trecho na última carta que a protagonista dedica ao amor da vida dela. Isso faz todo o sentido quando você lê o álbum.
Você recentemente finalizou mais uma HQ, Skandalon, publicado pela editora Glénat. O que se trata?
Eu comecei a criar o Skandalon em 2008, enquanto ainda estava trabalhando no Azul... Pode-se chamá-lo de “mito contemporâneo”, no sentido de que é uma história atual contada no estilo de um mito antigo, com o mesmo tipo de estrutura narrativa. É uma história feita em tinta acrílica, com o universo do pop-rock como pano de fundo.
Quais são os seus próximos projetos?
Enquanto eu estava criando o Skandalon, comecei a trabalhar em meu terceiro romance gráfico. Agora posso me dedicar totalmente a ele. Também comecei a criar meu quarto projeto no verão de 2012. Assim como para o Azul... e o Skandalon, eu tenho formada uma imagem muito clara dos gráficos, assim como da essência da história. Isso é o que permite que minhas HQs se distanciem uma das outras tecnicamente.
HISTÓRIA DESASTROSA
Enquanto a Paraíba espera pelos outros filmes que concorreram ao Oscar como Ela, Nebraska, Philomena e Clube de Compras Dallas, estreia em João Pessoa O Grande Herói (Lone Survivor, EUA, 2013), filme que concorreu em duas categorias técnicas – Melhor Som e Mixagem de Som –, mas que perdeu para Gravidade.
Baseado na realidade, o longa-metragem mostra soldados das forças de operações especiais da Marinha dos Estados Unidos cuja missão é capturar ou matar um terrorista e líder talibã no Afeganistão.
Escrito e dirigido por Peter Berg (O Reino), a produção é baseada no livro O Único Sobrevivente (lançado por aqui em 2008 pela editora Planeta do Brasil), de Marcus Luttrell, vivido pelo ator Mark Wahlberg (Três Reis) no filme.
Em 1995, Luttrell era um dos quatro Navy Seals enviados a uma área de montanhas remota como parte do grupo avançado da operação ‘Red Wings’ (‘Asas Vermelhas’, em tradução livre) e que foram emboscados por combatentes talibãs. Um dos maiores desastres militares norte-americanos no Afeganistão.
O elenco ainda inclui Taylor Kitsch (o Gambit de X-Men Origens: Wolverine), Emile Hirsch (A Hora da Escuridão), Ben Foster (O Mensageiro), e Eric Bana (Falcão Negro em Perigo).
COMÉDIA EM ALTO-MAR
A partir desta quinta-feira, duas comédias chegam aos cinemas de João Pessoa e Campina Grande.
Em SOS - Mulheres ao Mar (Brasil, 2013), Giovanna Antonelli vive em inferno astral: já que nenhuma editora publica seus livros, ela ganha a vida fazendo legendas de filmes pornôs. Para piorar, seu marido (Marcello Airoldi, o Humberto da novela Salve Jorge) decide pedir o divórcio.
Com a irmã (Fabíula Nascimento, de Estômago) e a empregada (Thalita Carauta, a Janete de Zorra Total), ela resolve embarcar no mesmo cruzeiro onde estão o ex-marido e sua nova namorada (Emanuelle Araújo, de Ó Paí, Ó), decidida a reconquistar seu amor.
Dirigido por Cris D'Amato (Sem Controle), o galã Reynaldo Gianecchini também está no elenco.
Por fim, Namoro ou Liberdade (That Awkward Moment, EUA, 2014) acompanha três amigos farristas de carteirinha (Zac Efron, Miles Teller e Michael B. Jordan) que vivem o dilema de um compromisso sério ou a vida de solteiro.
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