CULTURA
Dissecando o terror humano
Esacritor Belga John Ajvide Lindqvist fala ao JORNAL DA PARAÍBA sobre 'Deixa Ela Entrar', o best-seller que já rendeu dois filmes.
Publicado em 02/12/2012 às 13:06
Como nas tragédias shakespearianas, o sangue motiva a sede de vingança. Não é à toa que uma passagem de Romeu & Julieta é citada em Deixa Ela Entrar (Globo Livros, 504 páginas, R$ 49,90), primeiro sucesso do sueco John Ajvide Lindqvist que finalmente ganha uma edição nacional.
Best-seller publicado em mais de 30 países, o romance acompanha Oskar, um garoto solitário de 12 anos que vive com sua mãe no subúrbio de Estocolmo. Ele coleciona recortes de jornais sobre assassinatos e é constantemente humilhado por seus colegas de escola. Certo dia, uma misteriosa garota chamada Eli se muda para o apartamento ao lado, junto com seu suposto pai. Uma amizade entre os dois começa a esbrasear com encontros no pátio adornado pelo inverno.
O que Oskar não sabe é que, na verdade, o aspecto frágil de Eli oculta uma criatura imortal com mais de 200 anos de vida, sedenta por sangue humano.
“Sabemos como lidar com cachorros de rua ou como reagir caso ganhemos na loteria. Mas quando um parente morto vem nos visitar, nós não temos um padrão de comportamento para seguir, não temos ideia do que devemos fazer”, explica Lindqvist ao JORNAL DA PARAÍBA sobre a motivação de escrever obras de terror. “Em tais momentos, teremos que mostrar quem realmente somos a nós mesmos. Nossa reação vem do âmago da alma”.
Para o autor sueco, o bom terror raramente vem da criatura em si, mas sim das reações humanas ao monstro. “É nossa inabilidade de lidar com as coisas fora da noção pré-concebida de mundo”, aponta. “Como reagimos a coisas que nunca soubemos que existiam? É essa a singular beleza do gênero terror. É um instrumento que disseca a mente humana, retratando a psicologia das situações mais extremas”.
SEDE DE SANGUE
A história se passa no começo dos melancólicos anos 1980, onde se tinha como cenário a adolescência alienada – rebelde e solitária –, o feminismo que estava se consolidando e a trilha sonora das bandas ‘darks’ britânicas.
Deixa Ela Entrar explora não só a solidão de Oskar e a sua posição de ‘vítima’ social. Antes de conhecer Eli, o garoto esfaqueava indefesas árvores ao redor da vizinhança imaginado se vingar daqueles que o importunavam na escola. Ela pode ser uma vampira, mas ele também tem 'sede de sangue' pela vingança, podendo também despertar o ‘monstro’ que habita nele ou no próprio autor, em tom biográfico.
“Oskar vive no mesmo apartamento em que eu cresci (Blackeberg). Apesar de nenhuma das coisas terríveis pelas quais ele passou terem acontecido comigo, houve outras com uma significância semelhante”, confessa Lindqvist. “É uma história de amor e vingança. O amor eu encontrei por outras formas desde que morei ali, mas a vingança eu obtive através do livro. Há uma espécie de justiça poética no fato de que os infortúnios da sua infância poderão ser a base dos sucessos da sua vida adulta”.
Apesar de misturar romance adolescente com o tema do vampirismo, Deixa Ela Entrar se mostra muito mais profundo e com poder narrativo infinitamente mais forte do que o 'teen' água-com-açúcar Crepúsculo. Mesmo sendo menos badalada, a história de John Ajvide Lindqvist foi lançada na Suécia em 2004, um ano antes da estreia de Stephenie Meyer como escritora.
O sucesso literário de Deixa Ela Entrar gerou um filme sueco ‘cult’ e, no espaço de dois anos, uma adaptação cinematográfica de Hollywood (veja o texto abaixo). Mesmo já tendo sido comparado ao best-seller americano Stephen King (que elegeu a refilmagem da obra de Lindqvist como ‘o melhor filme de horror da década’), o escritor procura sua inspiração em outros nomes. “(O irlandês Samuel) Beckett, por seu retrato de um mundo sem esperança, (o russo Fiódor) Dostoiévski pela maneira com que descreve as relações humanas, (o inglês) Clive Barker pela sua habilidade de conceber puro terror”, justifica.
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