CULTURA
Dominguinhos de múltiplas sanfonas
Depois de 6 anos de batalha contra um câncer, morreu nesta terça-feira (25) em São Paulo, o cantor e compositor Dominguinhos.
Publicado em 25/07/2013 às 6:00 | Atualizado em 14/04/2023 às 14:36
Ele só queria um xodó que acabasse com seu sofrer. Depois de 6 meses internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, Dominguinhos não conseguiu voltar para o aconchego, mas aliviou seu cansaço. Foram 6 anos de batalha contra um câncer que teve fim por volta das 18 horas da última terça-feira, em São Paulo.
Ainda hoje, o corpo de Dominguinhos será velado na Assembleia Legislativa de Pernambuco, no Recife. Até o fechamento desta edição, não havia informação sobre o enterro do músico.
A última passagem de José Domingos de Morais por João Pessoa foi em junho do ano passado. Ele subiu ao palco com a Orquestra Sinfônica Jovem da Paraíba, no concerto de encerramento da Semana José Lins do Rego 2012. Ele já havia se apresentado com a Jovem em maio de 2010, na abertura do 13º Festival Nacional de Arte, o Fenart.
A aproximação com a Sinfônica mostra versatilidade de um artista que foi além da linguagem regional.
“O Brasil perdeu um dos maiores autores da MPB em todos os tempos. Dominguinhos não podia ser enquadrado como artista de um gênero só - no caso, o forró. Ele conseguia ser um dos mais abrangentes autores da MPB”, atesta o crítico de música José Teles, do Jornal do Commércio (PE), que assina o texto do último disco Dominguinhos, uma parceria com o cearense Xico Bizerra batizada de Luar Agreste no Céu Cariri.
Em entrevista ao JORNAL DA PARAÍBA, Teles lembra que Dominguinhos compôs com Gilberto Gil (‘Lamento sertanejo’), Chico Buarque (‘Tantas palavras’), Nando Cordel (‘Isso aqui tá bom demais’, ‘De volta pro aconchego’) e Djavan (‘Retrato da vida’), e gravou com nomes celebrados da música instrumental sofisticada, como o violonista Yamandú Costa.
“(Dominguinhos) fazia do xote ao frevo, à toada. Era um grande cantor e um sanfoneiro quase virtuoso e foi uma das pessoas mais solícitas e gentis que eu já conheci”, comenta José Teles.
O jornalista carioca Rodrigo Faour, responsável pela antologia dupla Dominguinhos é de Todos (Universal Music) ressalta o lado sofisticado do pernambucano. “Ele faz melodia que outros artistas populares não conseguem fazer. Se você pegar (a música) ‘Contrato de separação’, aquela melodia é uma melodia dissonante. É uma coisa super difícil de fazer”, comentou com a reportagem, em matéria publicada sobre o disco no último dia 23 de junho.
Os autores do livro O Fole Roncou – Uma História do Forró (Zaha), os paraibanos Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues, também comentaram a importância de Dominguinhos para a Música Brasileira.
“Eu diria que Dominguinhos, com sua postura singular, mostrou para jovens e velhos músicos que o talento pode ser acompanhado de generosidade. E fez o Brasil novamente perceber que, assim como ocorreu com Luiz Gonzaga, a música que surge do Nordeste é capaz de sair do limite do regionalismo, alçar voo e ganhar o mundo”, afirma Carlos Marcelo.
“A grande contribuição de Dominguinhos, além da obra que deixou, foi fazer uma ponte entre a música nordestina e outros segmentos da música brasileira, da instrumental ao pop”, comenta Rosualdo. “Ao mesmo tempo que honrou a herança que Gonzaga lhe deixou, ele transitou com facilidade imensa entre estilos, gêneros, ritmos. Trabalhou com gente da velha guarda e com os que começavam. Para se ter ideia, até com banda Hojerizah ele gravou!”, acrescenta, referindo-se a banda de rock formada em 1983.
DE ELBA RAMALHO AO CLÃ BRASIL
A intérprete definitiva de Dominguinhos foi Elba Ramalho. Em praticamente todos os discos dela, há sempre uma canção dele. O ponto alto dessa parceria aconteceu em 2005, quando gravaram, juntos, Elba Ramalho e Dominguinhos (BMG), revistando as canções de maior sucesso dele na voz dela. “Em tudo que eu canto, há um pouco de Dominguinhos e em tudo que ele compõe, há um pouco de mim”, comentou Elba ao JORNAL DA PARAÍBA, em fevereiro deste ano.
A simplicidade de Dominguinhos era um traço marcante de sua personalidade. Assim como foi ajudado por Gonzagão no início da carreira, gostava de dar uma força aos artistas iniciantes.
Lucy Alves, do Clã Brasil, atesta isso: “Ele sempre ligava pra mim ou pra painho (o também músico Badu) para saber como a gente estava, oferecia uma sanfona, acompanhava mesmo”.
Em 2009, o grupo paraibano gravou Clã Brasil Canta Dominguinhos, DVD com repertório dedicado exclusivamente ao músico pernambucano, que veio até o teatro Paulo Pontes participar da gravação.
JOVENS
Para Lucy, Dominguinhos foi muito importante para a urbanização do forró, e por isso tinha a simpatia dos jovens. “Ele também tinha uma improvisação jazzística, uma linguagem sofisticada, desafiadora. Era isso que mais me conquistava”, afirma Lucy.
Ela conta que o Clã Brasil e ele estavam sempre se encontrando na estrada. O último contato dela com o ídolo foi também uma das últimas vezes em que Dominguinhos subiu ao palco: 30 de novembro de 2012, em um show realizado em Caruaru (PE) por ocasião dos centenário de Luiz Gonzaga.
“Acabei subindo no palco e fazendo uma participação especial com ele”, recorda Lucy. Dominguinhos ainda chegou a participar da grande festa para Gonzagão, no dia do aniversário do padrinho (13 de dezembro de 2012) em Exu (PE). Dias depois, foi internado no Sírio-Libanês.
Em junho, Dominguinhos foi homenageado pelo Forró Fest 2013 com o troféu Asa Branca. A filha do músico, a cantora Liv Moraes, subiu ao palco para receber a honraria. “Sua música exalta o nordestino. Ele mostra que o Nordeste não é apenas a seca e a fome. É um povo que recebe os outros de braços abertos”, comentou a cantora, à época.
DISCOS FORA DE CATÁLOGO
É uma raridade encontrar um disco de Dominguinhos nas lojas. Ele deixa mais de 40 discos gravados, e praticamente lançou álbuns por todos os selos do mercado. A imensa maioria de seus discos, infelizmente, está fora de catálogo.
“Acho a discografia quase toda dele muito boa”, afirma o crítico José Teles, destacando discos como o instrumental 'A Maravilhosa Música Brasileira' (1982) e 'Festejo e Alegria' (1983). “Ele conseguiu firmar um estilo no final dos anos 70 em diante. Você reconhece logo as harmonias, o timbre da sanfona, os maneirismos na voz. E depois tem os discos instrumentais, que são muito bons”.
Teles revela que a Warner Music vai reeditar três discos de Dominguinhos lançados pela companhia na virada dos anos 80 para 90, todos produzidos por Carlos Alberto Sion: 'Simples como a Vida' (1988), 'Veredas Nordestinas' (1989) e 'Aqui Tá Ficando Bom' (1990).
A eles se juntam o recente 'Dominguinhos é de Todos', compilação dupla pilotada por Rodrigo Faour, a reedição de 'Seu Domingos', álbum de 1987 que o Discobertas colocou de volta às lojas em 2012, e o belo 'Yamandú+Dominguinhos'.
Além disso, ainda é possível encontrar, pelo menos, meia-dúzia de coletâneas de sucessos, além de inúmeros tributos, como 'Iluminado', lançado pela Biscoito Fino em 2011.
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