VIDA URBANA
Sobreviventes de crime sem assistência
Acompanhamento psicológico dos meninos, que perderam os pais e três irmãos mortos a golpes de facão, foi interrompido.
Publicado em 08/07/2014 às 6:00 | Atualizado em 05/02/2024 às 16:26
Os dois meninos que sobreviveram à 'Chacina do Rangel', crime que completa cinco anos amanhã, receberam assistência precária dos órgãos públicos. O acompanhamento psicológico que deveria perdurar por tempo indeterminado, segundo especialistas na área de trauma infantil, foi interrompido menos de quatro anos após a tragédia. Os meninos perderam os pais e três irmãos, mortos a golpes de facão pelos vizinhos, em julho de 2009.
Em reportagem publicada na edição do último domingo, o JORNAL DA PARAÍBA contou em detalhes como está a vida dos garotos sobreviventes, que atualmente têm 12 e 18 anos, e moram com a tia Edna Pascoal. Segundo ela, em junho do ano passado, durante uma consulta ao psicólogo em uma faculdade particular de João Pessoa, a profissional que atendia os meninos informou que eles não mais se encontrariam a partir daquela data, sem dizer o porquê.
“Ela (a psicóloga) apenas disse que não teríamos mais consultas, mas não chegou a dizer o motivo. Na mesma semana deixaram de recarregar o cartão de passagem, foi assim que aconteceu”, explicou Edna. Desde então, nenhum conselheiro tutelar entrou em contato com os meninos, conforme ela relatou. “Ninguém mais nos procurou depois disso, acho que nem sabe onde eles estão morando, nem como estão”, declarou. Ela disse que o acompanhamento psicológico começou cerca de 15 dias após a tragédia e que “percebia que fazia muito bem aos garotos”.
A psicóloga Maria Luiza Carvalho disse que o tempo de terapia é muito subjetivo e leva em conta a gravidade do trauma sofrido pelas vítimas. No caso específico dos sobreviventes da chacina, ela disse que quatro anos é muito pouco tempo para dar alta, principalmente porque eles estão em fase de desenvolvimento.
A clínica-escola de Psicologia do Unipê informou que os pacientes não deram continuidade ao tratamento por motivos pessoais, mas que está à disposição para atendê-los, caso queiram retomar o acompanhamento psicológico.
Os medicamentos prescritos pelo médico que atendeu o sobrevivente que levou golpes de facão no rosto e na nuca foram doados pela farmácia onde Edna foi para comprá-los. “Eu fui comprar, mas no balcão, na hora de pagar, o dono da farmácia não quis receber o dinheiro, disse que doava os remédios para o menino”, disse a mulher. Na época da tragédia o garoto tinha 7 anos.
Sem monitoramento do conselho tutelar, Priciano Soares, agora com 18 anos, largou a escola, de acordo com a tia. “Ele só fez até o 7º ano, depois não quis mais estudar, preferiu trabalhar e ganhar o próprio dinheiro”, contou. A tia disse que chegou a matricular Priciano no turno da noite, com a esperança que ele não abandonasse os estudos, mas não adiantou. “Ele chegava bem cansado e acabou desistindo”, afirmou.
Priciano trabalha como gesseiro, junto com o tio. Ele seguiu a mesma profissão do pai, Moisés, e que o irmão menor aspira.
Por conta da data que se aproxima, o rapaz está calado e abatido, conforme disse Edna. “Priciano está bem triste, não quer conversar com ninguém”, destacou. O sobrevivente sofre de epilepsia e toma duas caixas de medicamentos por mês, compradas pela família, segundo contou a tia.
A secretária de Desenvolvimento Social de João Pessoa, Marta Geruza Gomes, disse que nenhuma solicitação jurídica de assistência aos meninos chegou à prefeitura, mas que mandou um advogado procurar saber com a Promotoria da Infância e Juventude e a Vara da Infância qual a situação atual dos garotos. “Nosso intuito é localizar a família legalmente e dar assistência”, declarou. A Sedes também não recebeu nenhuma solicitação a respeito dos filhos dos acusados, uma criança de 5 anos e outra de 10", disse Marta Gerusa Gomes.
Os dois sobreviventes da chacina e uma outra filha das vítimas, que não morava com a família, receberam um ano após a tragédia uma casa no bairro de Mangabeira, pela Secretaria de Desenvolvimento Social da Paraíba. Inicialmente a filha mais velha foi morar no local, mas depois alugou a casa. O valor recebido pelo imóvel é dividido entre ela e os sobreviventes.
O promotor de Justiça Alley Escorel disse que, após tomar conhecimento da matéria publicada pelo JORNAL DA PARAÍBA, vai enviar uma equipe psicossocial para fazer uma visita aos sobreviventes.
“Vamos verificar a situação e saber o motivo pelo qual o Conselho Tutelar, que é a porta de entrada, parou de acompanhar os sobreviventes”, declarou o promotor.
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