VIDA URBANA
Facções 'EUA' e 'Okaida' dominam escolas de JP
Levantamento do MP constata atuação de gangs em pelo menos 10 escolas da capital
Publicado em 11/05/2014 às 8:00 | Atualizado em 29/01/2024 às 13:01
Estudantes de escolas públicas localizadas em João Pessoa estão deixando as instituições por medo da violência provocada pela atuação de facções criminosas no interior dos colégios. De acordo com um levantamento realizado pelo Ministério Público Estadual (MPPB), através da Promotoria da Infância Infracional, o problema está acontecendo em escolas instaladas em pelo menos dez bairros da cidade. Ainda segundo a denúncia do órgão, professores e funcionários do colégio também são intimidados pelos alunos envolvidos com os grupos.
Um dos bairros em que a Promotoria da Infância Infracional identificou a atuação de grupos criminosos nas escolas públicas é o bairro dos Ipês. Aos 14 anos, Bruno (nome fictício) é usuário de maconha desde os 9 e alega pertencer ao grupo EUA (Estados Unidos). Apesar do envolvimento prematuro com entorpecentes, o garoto conta que há cerca de um ano não tem comparecido às aulas com assiduidade e prefere “ficar na rua”, conforme relatou em depoimento à titular da Promotoria, Ivete Arruda.
“Ele sempre tirou boas notas e passava por média. Depois que começou andar com esses meninos, ficou assim. Se ele for para a escola, corre o risco de ser pego pelos outros”, lamentou a mãe do garoto, que preferiu não se identificar.
A situação de Bruno é a mesma relatada pela maioria dos adolescentes, principalmente os da faixa etária dos 14 aos 17 anos, que são atendidos na Promotoria da Infância Infracional.
Repetência e idade inadequada para a série que frequenta, além do abandono escolar, está entre o perfil dos jovens que chegam à Promotoria. Segundo Ivete Arruda, o principal fator para que os adolescentes fiquem longe da escola e até impeçam outras pessoas de estudar nos locais é a participação deles em facções criminosas.
“Como eu faço o acompanhamento deles, eu preciso saber se eles estão na escola. Mas, eles dizem assim: 'como é que eu vou estudar se eu faço parte de uma facção e quem domina é a outra facção e eu não posso entrar na escola? Se eu for para a escola, serei assassinado'. Então, eu tenho esses casos com adolescentes que moram em Mandacaru, Valentina, Mangabeira, Rangel e as escolas sabem, a Secretaria de Educação sabe e precisamos fazer alguma coisa. Ou o tráfico vai controlar as escolas?”, questionou.
Ainda segundo o levantamento da Promotoria, escolas localizadas em Cruz das Armas, Geisel, Tambiá, Centro e Jaguaribe também sofrem com o mesmo problema da atuação de gangues. Em uma das escolas visitadas pela reportagem no bairro de Cruz das Armas, rabiscos nos muros da instituição com a sigla “OKD” (Okáida) identificam qual o grupo que atua na área.
Mais que um símbolo, as pichações e hábitos de alguns alunos amedrontam também funcionários e professores e se refletem na falta de alunos da escola.
Em uma das escolas identificadas pela Promotoria, no bairro de Jaguaribe, o medo da violência e de conflito dentro e nos arredores da escola mudou a rotina de quem precisa estudar.
Desde o ano passado, a unidade de ensino funciona somente no período da manhã e na estrutura que tem capacidade para abrigar até 500 alunos, estão matriculados apenas 250.
Funcionária ameaçada de morte.
Dividida entre o profissionalismo e a preservação da própria vida, uma das funcionárias da escola no bairro de Jaguaribe revela que foi ameaçada de morte e levou o caso ao Ministério Público Estadual. Ela conta ainda que o uso e o tráfico de drogas na área externa da escola é frequente. Além disso, alguns adolescentes foram pegos portando armas. "De certa forma, eu me aliei a eles. E se hoje eu estou em paz é por causa disso. Se eu não tivesse feito isso, talvez hoje eu não estivesse aqui”, disse. Segundo a funcionária, há alunos na escola, entre 10 e 17 anos, que são “aviõezinhos do tráfico” e intimidam os demais e funcionários para que não denunciem à polícia.
“Aqui tem o grupo 'Okáida' e 'Estados Unidos' e eles moram na mesma comunidade e os problemas que acontecem lá se refletem aqui dentro, comigo e com os outros funcionários. O pessoal de fora não vem estudar aqui por causa disso, da violência. A escola precisa e sobrevive de alunos. Sem eles, a escola não existe”, lamentou a funcionária.
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