VIDA URBANA
Muçulmanos que vivem na PB condenam atentados terroristas
Seguidores do islamismo falam sobre a paz encontrada na religião e condenam terror praticado por fundamentalistas.
Publicado em 06/12/2015 às 8:00
“Eles não são verdadeiros muçulmanos, porque o Islã prega a paz. São grupos que se aproveitam de um estigma que cai sobre uma religião para pregar o ódio”, afirma Mohamed Mesquita, líder de uma das comunidades islâmicas de João Pessoa, sobre os grupos terroristas que atacaram Paris no último dia 13. “Islã significa submissão. E é submissão a um Deus, que é único. Nós temos que pregar o amor. Essas pessoas (que realizaram os atentados) são loucas”, completa.
Nascido sobre os preceitos do cristianismo, o ex-lutador de boxe Mohamed percebeu uma ligação forte com a religião islâmica quando foi morar nos Estados Unidos, onde ficou de 1986 até 90, e resolveu se converter. “Cheguei a ser o número 1 do ranking dos lutadores de boxe de Nova York, mas quando percebi que já não dava mais, resolvi voltar”, conta. Ele, que é carioca, já tinha uma noiva paraibana e mudou-se de vez para o Estado. Aqui, já convertido ao Islã, fundou a Mesquita Academia, no bairro no Bessa, onde atualmente 10 a 12 pessoas da comunidade islâmica se reúnem para estudar ou para realizar as cinco orações diárias obrigatórias.
Foi na academia que o personal trainer Malek Abdul Al Mesquita conheceu os ensinamentos da religião islâmica e quis estudar para fazer a conversão. Hoje, ele prefere ser chamado pelo nome que recebeu após fazer a shahaada (uma profissão de fé na qual você diz que é muçulmano diante da sociedade e a comunidade islâmica), mas os seus documentos não foram trocados. “Há uma burocracia muito grande para trocar o nome. Tem que mudar todos os documentos e também no meu ambiente de trabalho só me conhecem pelo nome de batismo. O que importa é você seguir a Suna – o que o profeta Maomé fez e disse – e ser temente a Deus”, acredita Abdul.
“Se você pegar o alcorão, ele diz: 'combate conforme a tua guerra, porém não cometas agressão'. Se eles fizeram isso (o atentado contra Paris) ou foi retaliação ou eles foram mal doutrinados”, opina Abdul. O personal trainer afirma que o Islã que é ensinado na Paraíba é uma religião de luz e paz. “Todas as religiões de luz, como o Islã, o Cristianismo e o Budismo, fazem com que você seja uma pessoa mais centrada, que deseje o bem ao próximo, que busque caminhos bons”, declara Abdul, que se converteu há cerca de cinco anos. “Quando eu trabalhei na academia, eu ouvia Mesquita falar sobre o Islã e me interessei. Mas não foi fácil (a conversão), tive que estudar muito, ler bastantes livros e aprender a Shahaada e no mínimo duas orações”, relata.
Comunidade da Paraíba é sunita
A comunidade islâmica que se reúne na Mesquita Academia, onde há um espaço reservado para orações e um sala de estudos sobre o Islã, é sunita. Para se entender a guerra histórica entre xiitas e sunitas é preciso voltar 14 séculos. Quando o profeta Maomé morreu, em 632 d.C., iniciou-se uma disputa de quem ocuparia a principal posição de liderança da comunidade islâmica mundial. Dessa disputa, duas correntes se tornaram majoritárias: os sunitas e os xiitas. Após a morte do profeta, os califas Abu Bakr e Omar tentaram organizar a transmissão do poder político e da autoridade. Até 644 D.C. essa organização deu certo, mas um genro de Maomé chamado Othmã tornou-se califa, passou a ter sua autoridade contestada e foi assassinado. Esse crime foi ligado a Ali, outro genro de Maomé, que sucederia Othmã no califado. Os muçulmanos contrários a Ali declararam guerra a ele e a seus simpatizantes e o califa também foi morto.
Hoje, os sunitas representam 90% da comunidade islâmica, enquanto os xiitas são apenas cerca de 120 milhões. “Sunitas seguem até o que o profeta pregou e os xiitas vão além, seguem até onde o genro do profeta, Ali, pregou. O livro sagrado deles é mais extenso que o nosso”, explica Abdul.
A luta contra o preconceito
“Fui chamada de mulher-bomba, as meninas passavam por mim na faculdade e diziam 'sangue de Cristo tem poder!', na minha sala as pessoas debochavam das minhas roupas, tiravam fotos minhas e ficavam rindo na internet”. O depoimento é de Soraia Vilar, que se converteu ao Islã há três anos e frequenta o Centro Islâmico de João Pessoa, no Bairro dos Estados. É lá que o ex-pastor João de Deus Cabral reunia o seu grupo de cerca de 60 pessoas para pregar as doutrinas da religião muçulmana. Cabral esteve à frente da Assembleia de Deus de Madureira por quinze anos, mas se converteu ao Islã depois de ter dúvidas sobre a Santa Trindade, um dos símbolos do cristianismo. Líder da comunidade desde 2011, o ex-pastor decidiu morar em Dubai e o árabe Mustafá assumiu o comando do Centro.
Soraia começou a se interessar pela cultura árabe quando assistia a novela O Clone e sonhava em viver dentro daquela realidade. Depois vieram as pesquisas sobre a cultura do Oriente Médio, o Alcorão que ganhou de presente do então namorado e um post no Twitter, quando perguntou se existia alguém que falava inglês ou português que pudesse passar os ensinamentos do Islã para ela. “Imediatamente recebi inúmeras mensagens. Dias depois, eu recebi uma ligação de um Sheikh chamado Gabriel, que começou a me ensinar muitas coisas nas ligações que ele me fazia depois da aula”, relata Soraia. Foi com o Sheikk Gabriel que Soraia proferiu a Shahaada e encaminhou-se para o Centro Islâmico, onde conheceu o ex-pastor João de Deus.
“Quando eu cheguei lá, soube que João de Deus era muito amigo do meu avô, que também é pastor da Assembleia. Foi coisa de Deus mesmo”, acredita. Antes de se converter ao Islã, Soraia era evangélica e diz que não teve nenhuma dificuldade para se adaptar a cultura muçulmana. “Foi muito mais difícil ser aceita como muçulmana no Brasil do que aceitar outra cultura. Vejo com tranquilidade até o fato de os homens poderem se casar com mais de uma mulher”, diz Soraia, que se veste normalmente com “roupas que não marquem o corpo” e um véu que cobre o seu cabelo. “Converter ao Islã foi a melhor coisa que fiz. Foi onde encontrei paz”, conta.
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