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CULTURA

'A arte existe porque a vida não basta', diz Ferreira Gullar

Escritor, que completa 80 anos, fez um balanço irreverente de sua carreira. Poeta relembrou anos de exílio, criticou concretistas e falou do novo livro

Publicado em 08/08/2010 às 10:53

Do G1

Ferreira Gullar, o maior poeta brasileiro vivo, tinha três motivos para comemorar sua terceira passagem pela FLIP: o Prêmio Camões concedido há poucas semanas, o aniversário de 80 anos e o lançamento de um novo livro de poesias após um intervalo de 11 anos, “Em alguma parte alguma”.

No entanto, na conversa conduzida pelo editor Samuel Titan Jr. neste sábado (7), ele mostrou que não está satisfeito, que continua buscando alguma coisa. Permanece, enfim, fiel à sua trajetória como poeta e intelectual engajado.

Gullar começou lembrando o início de seu caminho poético. “Eu costumo dizer, brincando, que nasci em Macondo, a cidade de 'Cem anos de solidão' onde tudo acontecia um século depois. Na adolescência eu era um poeta parnasiano, que escrevia em versos metrificados, até falava em decassílabos", recordou. "Quando chegou a São Luiz a poesia moderna de Carlos Drummond de Andrade, eu, acostumado a ler Camões, levei um choque ao ler aqueles versos. Aí fui para a biblioteca pública da cidade ler outros poetas modernos, como Mario de Andrade, e comecei a entender o que era aquilo”, completou.

O poeta maranhense nascido em São Luís publicou seu primeiro livro aos 19 anos, “Um pouco acima do chão”, e em seguida começou a escrever uma poesia em que não havia nada previsto. Isso resultou em “A luta corporal - um livro em que a linguagem nasce com o poema".

“A linguagem é velha, e o poema é uma coisa nova, que acabei de descobrir. A implosão da linguagem feita nesse livro, com a destruição da sintaxe, acabou se tornando um pouco a matriz da poesia concreta, que é uma poesia sem discurso, com uma sintaxe visual. Os poetas paulistas Augusto e Haroldo de Campos e Decio Pignatari me procuraram, trocamos ideias, e nasceu a poesia concreta.Mais tarde eles optaram por uma poesia matemática e romperam comigo”.

Gullar continuou lembrando seu convívio com Mario Pedrosa ao chegar no Rio de Janeiro, em 1951. “Pedrosa defendia a arte concreta e geométrica de artistas como Max Bill, premiado na primeira Bienal de São Paulo, o que representava uma ruptura muito grande com a figuração que predominava na arte modernista brasileira”, contou Gullar. "Vieram então a arte neoconcreta e o Manifesto do Não-Objeto, que implicam a entrada do corpo numa arte que era apenas ótica e visual".

"Publiquei o projeto de um 'Poema enterrado' [um cubo dentro de outros cubos, numa sala subterrânea, contendo a palavra ‘Rejuvenesça’], então o Helio Oiticica quis materializá-lo na casa do pai na Gávea Pequena, só que o pai dele não deixou. Depois, quando deixou, choveu e estragou tudo. Era o único poema com o endereço da poesia brasileira”.

Artes plásticas e literatura

Indagado sobre sua atividade como crítico de arte, Gullar disse que, antes de pensar em ser poeta, queria ser pintor. “Depois a poesia tomou conta, essas coisas a gente não governa. Mas continuo pintando e pensando sobre artes plásticas até hoje. Sobre poesia eu não penso, eu simplesmente faço: a minha poesia nasce do espanto. Qualquer coisa pode espantar um poeta, até um galo cantando no quintal. Arte é uma coisa imprevisível, é descoberta, é uma invenção da vida. E quem diz que fazer poesia é um sofrimento está mentindo: é bom, mesmo quando se escreve sobre uma coisa sofrida. A poesia transfigura as coisas, mesmo quando você está no abismo. A arte existe porque a vida não basta”.

Gullar aproveitou então para criticar certa atitude que prevalece entre artistas. "A vanguarda é que nem o terrorismo, ninguém pode botar o galho dentro. Na Bienal de São Paulo, qualquer bobagem tem que ser aceita, porque quem fala mal é visto como sendo de retaguarda”.

O escritor também falou sobre a poesia de cordel que escreveu na época da repressão política. “Comecei a entrar em crise com a poesia espacial que estava fazendo, porque sempre questiono o que faço. Li um livro de Jean-Yves Calvet e me engajei no marxismo e na luta política e participei do CPC da UNE. Mas era uma ação muito mais política que literária. No dia do golpe militar eu entrei para o Partido Comunista, numa reunião da casa do Carlinhos Lyra, porque queria participar da resistência contra o regime. Era uma coisa que tinha que ser feita, não havia bravura nisso”.

Veio então o Grupo Opinião, em Copacabana, que encenou diversos espetáculos num espaço improvisado em Copacabana. “O golpe nos mostrou o quanto é difícil transformar o mundo, e isso serviu também para a minha literatura. E, em seguida, com a radicalização política e o aumento da repressão, o exílio".

'Poema sujo'

“Pessoas à minha volta eram presas e torturadas, e como eu era da direção do partido, tive que sair do país. Fui para a União Soviética, o Chile de Allende, depois a Argentina. Com a morte de Perón, voltei a ficar numa situação terrível, sem passaporte, e nessa situação escrevi 'Poema sujo', para registrar tudo o que me restava a dizer", relembrou Gullar.

"Nessa época Vinicius de Moraes foi a Buenos Aires fazer um show, e n os reunimos com Augusto Boal, que também estava exilado em Buenos Aires. Boal falou sobre o 'Poema sujo' e eu o li para umas 20 pessoas, na casa do Boal.Vinicius gravou minha leitura e levou para o Brasil, e o poema foi sendo divulgado assim, clandestinamente, até que Enio Silveira, editor da Civilização Brasileira, quis publicá-lo, e fez uma noite de autógrafos sem o autor”.

Gullar leu então um trecho de 'Poema sujo' e foi aplaudido por mais de um minuto, num dos momentos mais intensos da FLIP 2010.

Em alguma parte alguma sucede os livros Barulhos (1987) e Muitas vozes (1999), o que dá uma média de um livro de poemas por década. “Eu escrevo muito pouco, sem espanto eu não escrevo. Às vezes passo meses sem escrever, não depende da minha vontade. Mas quando a poesia vem é muito gratificante”.

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Jornal da Paraíba

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