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CULTURA

Alfenim no Cosme Velho

Coletivo dirigido por Márcio Marciano emerge dos alfarrábios de Machado de Assis com espetáculo que vai estrear em abril.

Publicado em 04/02/2015 às 6:00 | Atualizado em 23/02/2024 às 15:58

Um jovem negro, nu, acorrentado em um poste no bairro do Flamengo, do Rio de Janeiro. O risco 15 vezes maior de um jovem negro ser assassinado na Paraíba em comparação a um jovem branco. Um fato e uma estatística que aproximaram o Coletivo Alfenim de um negro historicamente "branqueado" para caber na alcunha de maior escritor brasileiro de todos os tempos.

Previsto para estrear em abril na nova sede do coletivo em João Pessoa, a Casa Amarela, Memórias de um Cão é um trabalho de pesquisa de Márcio Marciano que colocou o diretor face a face com uma referência de longa data de sua dramaturgia: Machado de Assis (1839-1908).

Derivado da segunda etapa do projeto Figurações Brasileiras, o espetáculo participou de um festival em Natal (RN), no mês de novembro, em sua primeira versão batizada como Ensaios Sobre o Humanitismo. Foi a culminância das ações do Alfenim no ano passado, que incluíram seminários sobre a atualidade do Bruxo do Cosme Velho e oficinas de capacitação para a montagem.

"É pela via negativa que podemos construir a ponte entre o tempo de Machado e atualidade", reflete Marciano, citando a famosa frase do crítico Roberto Schwarz: "Machado é de uma atualidade de dar medo."

Dois livros basearam o texto de autoria do dramaturgo em colaboração com os integrantes do Coletivo Alfenim: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e Quincas Borba (1891). Os dois primeiros volumes da trilogia realista de Machado inspiraram a trajetória de Rubião, o professor que recebe uma herança de Quincas Borba e é introduzido à doutrina do Humanitismo (nas palavras de Márcio Marciano, uma "súmula acanalhada das principais correntes do pensamento então vigente no Brasil do Segundo Império").

"O desafio maior está em 'historicizar' Machado, de modo a apreender sua atualidade. Isso pode soar paradoxal, mas para não cairmos na armadilha de uma leitura museológica, preocupada com a reconstituição de uma época, 'a época de Machado', precisamos colocá-lo em perspectiva histórica", resume o fundador do Alfenim.

A MÚSICA
Um elemento importante da montagem é a música, uma constante no repertório do grupo indicado ao Shell na categoria em 2010, pela peça Milagre Brasileiro. Surgidas de oficinas com os profissionais Walter Garcia e Marília Calderón, as 12 composições dialogam com as cenas, construídas a partir de oficinas de corpo e danças afro.

O elenco será formado por atores que estão há três anos no núcleo duro do Alfenim e participaram do projeto Figurações Brasileiras, bem como da temporada de O Deus da Fortuna pelo Palco Giratório. O repertório do coletivo (revisado em mostra na virada de 2013 para 2014) ainda ganhou o reforço recente do monólogo Brevidades, estrelado pela veterana Zezita Matos.

Após a temporada de estreia de Memórias de um Cão, em abril, o grupo pretende abrir a sede da Casa Amarela para outros parceiros. "Devemos manter o espaço em funcionamento para abrigar novas temporadas de nosso repertório, ou espetáculos de grupos da cidade que mantenham projetos de pesquisa continuada, sejam de teatro, dança, música etc", diz Marciano.

Quanto às incursões futuras do Alfenim, Marciano revela que há a intenção de verticalizar ainda mais o contato do Alfenim com Machado, realizando pequenos experimentos em vídeo como o que já foi esboçado em Histórias de Sem Réis (2010), podendo desdobrá-los em uma investida no cinema a depender, segundo o diretor e dramaturgo, dos rumos das políticas públicas para o teatro.

Imagem

Jornal da Paraíba

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