CULTURA
Norma Bengell, a atriz que desafiou tabus
A atriz de cinema, teatro e televisão que desafiou o moralismo de uma ditadura, morreu na madrugada de quarta-feira (9), aos 78 anos.
Publicado em 10/10/2013 às 6:00 | Atualizado em 17/04/2023 às 16:08
Ela literalmente enfrentou tabus. Atriz de cinema, teatro e televisão, diretora e cantora, Norma Bengell, a mulher cujo nu frontal, o primeiro em filmes brasileiros, desafiou o moralismo de uma ditadura, morreu na madrugada de ontem, aos 78 anos. O corpo da atriz carioca será cremado hoje, às 14h, no Cemitério do Caju, na zona portuária do Rio de Janeiro.
Bengell sofria de problemas respiratórios e foi diagnosticada com um câncer no pulmão direito. Ela estava internada desde o sábado no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital Rio-Laranjeiras, unidade Bambina, na zona sul do Rio. A atriz foi casada com o ator italiano Gabrielli Tinti (1932-1991), mas não deixou filhos.
Norma Aparecida Almeida Pinto Guimarães D'Áurea Bengell nasceu na capital carioca no dia 21 de fevereiro de 1935. Tinha 27 anos quando protagonizou a primeira cena de nu frontal do cinema brasileiro em Os Cafajestes (1962), de Ruy Guerra.
Naquele ano, Norma, que começou sua carreira como vedete na música, impulsionada pelo produtor de musicais Carlos Machado, foi impedida por padres de cantar em um show na Pontifícia Universidade Católica (PUC), no Rio de Janeiro, como represália à sua atuação na sétima arte e sua declaração em favor do uso da pílula anticoncepcional. Da música ficaram seus quatro discos, o primeiro, Ooooooh! Norma (1959), com canções de Tom Jobim e João Gilberto.
Reconhecida como anistiada política pelo governo brasileiro alegando perseguição na época da ditadura militar, exilou-se na França em 1971. Na Europa, conheceu expoentes da sétima arte como o galã Alain Delon (com quem consta que teve um breve romance) e os diretores Visconti, Fellini e Pasolini.
MUSA DO CINEMA NOVO
A musa do cinema novo estreou no ecrã parodiando Brigitte Bardot com o lendário Oscarito na comédia O Homem do Sputnik (1959), de Carlos Manga. Participou como atriz de mais de 60 produções. Incursionou-se na direção no final dos anos 1980, com Eternamente Pagu (1987), e dirigiu mais três filmes, entre eles O Guarani (1997), que teve a prestação de contas recusada pelo Ministério da Cultura e ocasionou uma dívida de quase R$ 4 milhões.
Os problemas financeiros e de saúde a afastaram da televisão e do teatro, onde também fez trajetória com aparições mais recentes. Na televisão, onde foi estrela de novelas como Partido Alto (1984) e O Sexo dos Anjos (1989), seu último trabalho foi no programa humorístico Toma Lá, Dá Cá (2007-2009), da Rede Globo, onde interpretou a personagem Deise Coturno na segunda e terceira temporadas do sitcom.
A moradora lésbica apaixonada pela síndica do seu prédio teria apenas uma participação no episódio 'Falando grosso', mas o sucesso foi imediato junto ao público e Norma passou a fazer parte do elenco fixo do programa. Após um acidente doméstico, em 2009, teve que operar a coluna e o cotovelo.
Já debilitada, no ano seguinte, ainda encarou o desafio de levar um texto do dramaturgo Samuel Beckett ao teatro: em Dias Felizes, que estreou em São Paulo, Bengell foi dirigida por Emilio Di Biase, com quem estreou nos palcos, em 1968, na primeira montagem de Cordélia Brasil, de Antonio Bivar, sucesso de crítica e público e que provocou o sequestro da atriz por agentes da repressão, que a soltaram depois da intervenção de Cacilda Becker. Em sua derradeira peça, Bengell lembrava teatralmente a cena que a consagrou no cinema.
Seus últimos anos foram presa à cadeira de rodas, sobrevivendo da ajuda de amigos e escrevendo o livro de memórias que levará o seu nome e será lançado pela editora NVersos em 2014. Suas cinzas serão jogadas da Pedra do Arpoador, em Ipanema (zona sul), atendendo ao pedido que a atriz comunicou à sua família.
Momentos marcantes
o homem do sputnik. À la Brigitte Bardot, a estreia no cinema com Oscarito
norma canta mulheres. Capa do LP de 1977 com participação de Sivuca
os cafajestes. No filme de Ruy Guerra, contracenando com Jece Valadão: papel ícone
vestido de noiva. No teatro, interpretando Nelson Rodrigues com Os Satyros, em 2008
passeata dos cem mil. Em 1968, protestando contra a censura em foto polêmica
toma lá, dá cá. Deise Coturno, seu último e bem sucedido papel na televisão
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