POLÍTICA
Arquivamento na Câmara não livra prefeito de investigações no MPF e na PF
Durval Ferreira baseou-se em argumentos no mínimo questionáveis para indeferir CPI e pode ter sua decisão revogada pela Justiça.
Publicado em 06/05/2016 às 20:41
São no mínimo questionáveis os argumentos do vereador Durval Ferreira, presidente da Câmara de João Pessoa, para indeferir e arquivar o pedido de CPI para apurar desvios nas obras da Lagoa. O requerimento, formalizado há dois meses pela bancada de oposição ao prefeito Luciano Cartaxo, não indicou “prazo de funcionamento” nem o “número de membros que deveriam integrar a Comissão”, alega parecer da Procuradoria da Casa que baseou o indeferimento.
Segundo a manifestação da assessoria jurídica do presidente Durval, divulgada nesta sexta-feira (6), prazo e composição foram dois dos cinco requisitos legais para criação e instalação da CPI que os proponentes deixaram de incluir no pedido original. Com isso, os vereadores oposicionistas teriam dado base para indeferimento e arquivamento. Os outros três requisitos, esses atendidos, foram as assinaturas de no mínimo nove vereadores (um terço dos membros da Câmara), a especificação de um fato determinado a ser investigado e a finalidade da investigação.
Salvo melhor juízo, como habitualmente ressalvam os autores de pareceres ou petições do gênero, a opinião da Procuradoria expõe uma interpretação restritiva e até conflitante com o que estabelece o próprio Regimento Interno da CMJP. Além de não encontrar respaldo na Lei Orgânica do Município da Capital, muito menos na Constituição Federal e na jurisprudência firmada a respeito dos atos constitutivos de uma CPI. Vejamos.
1. O art. 76 do Regimento Interno da Câmara de João Pessoa diz que CPIs serão constituídas nos termos do § 4º do art. 26 da Lei Orgânica do Município. Esse dispositivo basicamente repete o que diz a Constituição Federal sobre tais comissões, ou seja, que serão criadas mediante requerimento de um terço dos membros da Casa e que terão “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (...) para apuração de fato determinado e por prazo certo”.
2. Voltando ao Regimento Interno da CMJP, é muito importante prestar atenção no que reza o seu art. 77, assim redigido: “A proposta de constituição de Comissão Parlamentar de Inquérito deverá contar, no mínimo, com a assinatura de 1/3 (um terço) dos membros da Câmara, não sendo objeto de parecer ou votação em Plenário”. Significa, clara e indiscutivelmente, que a CPI regularmente requerida por dez vereadores no dia 8 de março passado deveria ter sido instalada automaticamente, sem sequer passar por deliberação do plenário, muito menos submetida a parecer jurídico.
3. Como se não bastasse, o parágrafo primeiro do mesmo art. 77 do Regimento Interno da Câmara pessoense mostra com clareza ainda maior que número de componentes, finalidade e prazo de funcionamento devem constar da portaria de criação da CPI e não do requerimento de quem a propõe. Para não haver dúvida, confira a redação do parágrafo: “§ 1º Na portaria de criação da Comissão, deverá 3. constar o nome dos Vereadores, sendo no mínimo 05 (cinco) e no máximo 07(sete), a finalidade e o prazo de funcionamento”.
Evidente que a decisão de Durval Ferreira será atacada em nova ação a ser ajuizada pelos vereadores interessados na chamada CPI da Lagoa, anunciada para apurar irregularidades na obra que, somadas, teriam causado prejuízo de quase R$ 10 milhões aos cofres públicos. O valor exato dos desvios resulta dos seguintes fatos apurados por auditores da Controladoria-Geral da União (CGU): 1) R$ 5,9 milhões foram pagos a mais pela escavação lama retirada da Lagoa e depois removida para o Aterro Sanitário Metropolitano; 2) houve superfaturamento de R$ 3,6 milhões na construção de um túnel para regularização do espelho d’água.
Diante do exposto, como gostam de finalizar os advogados em suas peças, existe grande possibilidade de a Justiça mandar desarquivar e instalar a CPI da Lagoa, revogando o despacho do presidente da Câmara e punindo as evidentes manobras que protelaram por 60 dias a divulgação do parecer da Procuradoria e o acolhimento, por Durval Ferreira, das recomendações do órgão. O verbo punir cai bem nesse imbróglio porque, qual castigo divino, uma ordem judicial contra o interesse dos governistas no Legislativo Municipal pode dar de presente à oposição um palanque e tanto – e a mais - contra o prefeito de João Pessoa em plena campanha eleitoral.
Tudo isso sem contar o fato de que Luciano Cartaxo pode até se livrar da CPI, mas não vai poder adiar indefinidamente o momento em que terá que enfrentar as acusações e responder perante o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a própria Justiça pelas irregularidades levantadas ano passado por auditoria da CGU. Pelo visto, não demora. Afinal, conforme informação da Procuradoria da República na Paraíba, a investigação sobre o que os auditores descobriram na obra da Lagoa começou desde o início de abril.
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