VIDA URBANA
Adolescentes trocam a escola por criminalidade
Maioria dos casos na Delegacia da Infância envolve jovens de 14 a 17 anos que não estudam.
Publicado em 11/08/2013 às 12:00 | Atualizado em 14/04/2023 às 15:55
A Delegacia da Infância e Juventude de João Pessoa, que atende crianças e adolescentes em conflito com a lei, realizou mais de 500 procedimentos de janeiro até a terceira semana do último mês de julho. Conforme informações da delegacia, os casos mais comuns são de crianças e adolescentes suspeitos de assalto, pequenos furtos, porte ilegal de arma e envolvimento com o tráfico. O perfil dos jovens envolvidos com essas práticas são de adolescentes com idades dos 14 aos 17 anos matriculados, mas não frequentam a escola ou abandonaram definitivamente a sala de aula.
De acordo com o delegado adjunto da Infância e Juventude, Francisco Araújo, além de terem deixado a escola, os adolescentes não recebem apoio das famílias. “As famílias desses garotos, na maioria dos casos, sabem que eles não estão frequentando a escola, mas também não procuram o Ministério Público ou os Conselhos Tutelares para que os filhos voltem”, lamentou.
Com a saída da escola e a situação de vulnerabilidade social, as crianças e adolescentes podem estar sujeitos a ingressar na criminalidade e tornarem-se vítimas de homicídios. Dados do Mapa da Violência 2013, divulgado recentemente pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela) revelou que a taxa de homicídios de jovens paraibanos no universo de 10 mil habitantes, mais que triplicou, considerando o período do ano 2001 até 2011.
Doutor em Ciência Política e professor da Universidade Federal de Campina Grande, José Maria Nóbrega pesquisa a violência desde 2008. De acordo com os estudos realizados pelo acadêmico, nos últimos três anos, o alto crescimento do número de assassinatos de jovens é uma tragédia anunciada e tem como agravante a situação escolar das vítimas.
“Os nossos jovens entre 15 e 29 anos de idade são os mais atingidos pela violência homicida. Também os jovens têm formação deficitária na perspectiva educacional, o que facilita seu recrutamento para o mundo do crime. Para se ter uma ideia, dos 841 assassinatos cadastrados por essa categoria em João Pessoa para o período 2000 a 2010, último ano de dados consolidados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS) (SIM/DataSUS), 818 (97,26%) deles vitimaram pessoas com menos de 12 anos de escolaridade”, explicou o pesquisador.
Ainda conforme o estudo do professor, em 2008, o grupo mais vitimado por arma de fogo, na Paraíba, foi de jovens na faixa etária dos 20 aos 29 anos, acima dos números das vítimas com idades entre 15 e 19 anos. “De um total de 1.027 assassinatos perpetrados por arma de fogo naquele ano, 60% vitimaram jovens entre 15 e 29 anos de idade. Desde o início da década passada que os dados já demonstravam a tragédia pela qual nossos jovens vêm passando”, lamentou.
Conforme divulgado no Mapa da Violência deste ano, seis municípios paraibanos aparecem no ranking dos 100 municípios com maior número de assassinatos de jovens. A cidade Cabedelo, na Região Metropolitana de João Pessoa, ocupa a 6ª colocação, seguido por Santa Rita (13º lugar), João Pessoa (14º), Patos (64º lugar), Bayeux (68º lugar) e Campina Grande (90º lugar). Segundo José Maria Nóbrega, estes também são os municípios em que os jovens estão em situação de vulnerabilidade social e formação escolar.
Como solução para amenizar o problema, o pesquisador é taxativo e aponta o investimento na educação de qualidade como a principal medida de combate à criminalidade.
ENSINO INTEGRAL DIMINUI A VIOLÊNCIA
E tendo a educação como ponto de partida, especialistas na área apontam o sistema integral como uma das alternativas para combater a evasão escolar e oportunidade para crianças e adolescentes participarem de atividades esportivas e culturais.
Na opinião do doutor em Educação e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Eduardo Jorge Lopes, a educação integral, sobretudo no sistema público de ensino, é uma possibilidade para diminuir a violência social. No entanto, o poder público, em todas as esferas, deve promover melhores condições de vida para diminuir a desigualdade social.
“A educação sozinha, dizia Paulo Freire, não muda nada. Mas sem ela, não há possibilidades de mudanças, de afastar nossos adolescentes da criminalidade. A escola hoje não possui atrativos para os jovens, é uma escola falida, com um monte de professores desmotivados e, muitos, até, desacreditados da possibilidade de que seu trabalho educativo (muito mais do que ensinar os conteúdos escolares), podem mudar vidas e realidades”, criticou o pesquisador.
Na escola Epitácio Pessoa, no bairro de Tambiá, cerca de 100 estudantes do Ensino Fundamental participam do Programa Mais Educação. O programa do governo federal está presente em 603 escolas estaduais de Ensino Fundamental e atende, em média, 90.450 alunos em todo o Estado.
Por meio do programa, os alunos participam de oficinas de dança, música, artes, práticas esportivas e pedagógicas. Nessa mesma escola funciona ainda o projeto “Escola Aberta”, onde todos os sábados, além dos alunos, crianças da comunidade também participam de atividades extra-classe, como aula de inglês e futebol de salão. “A gente percebe que todas essas atividades chamam as crianças para a escola e elas têm cada vez mais vontade de vir. Mas, ainda enfrentamos a ausência dos pais no incentivo das atividades, na maioria dos casos”, explicou a diretora da escola, Maria Betânea Lins.
De acordo com a gerente executiva de Educação Infantil e Ensino da Secretaria Estadual de Educação, Aparecida Uchôa, o Mais Educação prioriza os estudantes em situação de vulnerabilidade social, como os usuários do Bolsa Família e Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).
“O aluno de hoje quer atividades que estejam além da lousa. Com as atividades que nós oferecemos, os alunos passam o dia na escola, sempre fazendo alguma atividade que será importante para sua formação. A evasão escolar ainda está alta na Paraíba e acontece quando o estudante vem dos anos iniciais com o desenvolvimento baixo e não consegue acompanhar a turma”, explicou Aparecida Uchôa.
Ainda de acordo com a representante da Secretaria de Educação, o abandono escolar também é preocupante entre os alunos com a faixa etária dos 13 aos 15 anos. Para diminuir esse quadro, Aparecida Uchôa informou que a secretaria está desenvolvendo um projeto para atender os adolescentes nesta faixa etária que estão em situação de evasão escolar.
PROERD AJUDA NO COMBATE ÀS DROGAS
A evasão escolar também é constatada pelos policiais militares que atuam no Programa Nacional de Resistência às Drogas (Proerd), que existe há 13 anos na Paraíba e já atendeu mais de 1.500 escolas, entre unidades da rede pública e privada como um dos riscos para o ingresso de crianças e adolescentes na criminalidade. Segundo informações da coordenação do programa, o tráfico de drogas é a principal ameaça para que crianças e adolescentes deixem a sala de aula.
A diferença de faixa etária e a dificuldade em acompanhar o desempenho da maior parte da turma podem estar relacionadas à saída dos alunos, na faixa etária dos 11 aos 13 anos, da escola ainda no primeiro ciclo do Ensino Fundamental. E a situação se agrava quando o tráfico de drogas é feito dentro da própria escola, conforme informou a coordenadora do Proerd, capitã Ticiana Soares.
“Tem crescido o número de denúncias informando que jovens estão na escola ou nas proximidades para vender drogas.
Quando as crianças ou adolescentes não conseguem acompanhar o andamento da turma, faltam mais e acabam tendo mais contato com esse tipo de indivíduo”, disse a oficial. Ainda segundo Ticiane Soares, a saída das crianças ou adolescentes da escola pode também estar associada à não identificação com a turma, devido a diferença de idade.
Para prevenir a entrada das crianças e adolescentes no envolvimento com o tráfico ou outras infrações, os instrutores do Proerd trabalham principalmente a autoestima dos alunos e as questões ligadas à violência provocada pelo uso de drogas. “Se as crianças não se sentem bem na turma, elas vão procurar o grupo que se assemelhe a ela. Nós procuramos trabalhar esses alunos, mostrando que eles podem ser alguém. São atividades que também envolvem as famílias, porque há uma desestrutura familiar muito grande”, explicou a coordenadora.
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