POLÍTICA
'Ctrl C/Ctrl V' é a ferramenta preferida de alguns vereadores
No primeiro semestre de 2015 foram apresentados pelo menos 42 projetos 'clonados' de outras casas Legislativas.
Publicado em 16/08/2015 às 8:01
Usada para copiar e colar arquivos em informática, a sequência de comandos 'Ctrl C + Ctrl V' também se tornou uma ferramenta para criação de leis na Câmara Municipal de João Pessoa. Isso acontece por que apresentar projetos de outras cidades se tornou uma prática corriqueira entre os vereadores pessoenses. Só no primeiro semestre de 2015, pelo menos 42 'cópias' foram apresentadas na Casa de Napoleão Laureano. A quantidade representa 24,7% do total de projetos de lei ordinária protocolados no período, que foi de 170.
Com base no Sistema de Apoio ao Processo Legislativo (SAPL) da Câmara da capital, o JORNAL DA PARAÍBA levantou os dados dos projetos de lei apresentados entre fevereiro e junho deste ano. Em seguida as informações coletadas foram cruzadas com os textos de outros matérias , também disponibilizados na internet, e as propostas replicadas foram então constatadas.
Em grande parte dos casos, os vereadores copiam o texto dos projetos na íntegra. E em outros fazem algumas modificações, como retirada e junções de artigos. Porém, o que mais chama atenção é que os parlamentares chegam a copiar até mesmo as justificativas das matérias, que são os argumentos utilizados para convencer os companheiros de Câmara de que as leis podem ser aprovadas.
O foco das cópias, na maioria dos casos, é a produção dos legislativos da grandes metrópoles, como Rio e São Paulo. Só que os parlamentares da capital paraibana não têm preconceito, eles também se inspiram em capitais vizinhas, como Natal; mais distantes, como Manaus; e também em cidades do interior como São José dos Pinhais (São Paulo). Eles ainda estão de olho no que é feito nas Assembleias e no Congresso Nacional. Ou seja: quase nada se cria na Câmara pessoense, tudo pode ser copiado.
Entre as 42 cópias apresentadas pelos vereadores pessoenses aparece o projeto que proíbe a inscrição nos cadastros de restrição de crédito dos consumidores que não estão em dia com o pagamento das contas de água e energia na cidade. O projeto, apresentado em maio pela vereadora Raíssa Lacerda (PSD), é exatamente igual (inclusive a justificativa) à uma lei sancionada em Minas Gerais um mês antes. A matéria ainda está tramitando na Câmara de João Pessoa.
Também aparece na lista dos projetos replicados o que determina a realização de shows de artistas locais antes de apresentações nacionais e internacionais em João Pessoa. O vereador Sérgio da SAC (PSL), autor da matéria, imitou uma lei que está em vigor na cidade de São Paulo desde 2009.
Clique aqui e confira a lista com todos os projetos copiados na Câmara de João Pessoa
Um outro 'clone', também de São Paulo, é o projeto que cria regras para o transporte de animais nos ônibus coletivos. O responsável por ele é Lucas de Brito (DEM). O democrata é, inclusive, um dos mais chegados na prática de copiar, tendo apresentado sete projetos desse nível no primeiro semestre deste ano. Na lista dele estão o que disponibiliza transporte gratuito nos dias de eleições, que foi arquivado; o que cria regras para o transporte de cargas em motocicletas e ciclomotores, que ainda aguarda votação; e também o que proíbe a venda de aparelhos que alteram o IMEI dos telefones celulares.
A ousadia dos vereadores é tanta que eles copiam até projetos de autoria de estudantes. O autor da proeza foi Renato Martins (PSB) que usou como base um texto apresentado pelo Parlamento Jovem Paulista (iniciativa que permite que estudantes tenham a vivência parlamentar) para embasar uma proposta de lei criando a Carteira de Vacinação Informatizada. A matéria recebeu parecer contrário na Comissão de Constituição, Justiça e Redação.
Copiando em escala industrial
“O que é importante, é executado com êxito em outras cidades, é bom que se traga para João Pessoa. Nós adaptamos as matérias à nossa realidade”. A fala é do suplente de vereador Eduardo Carneiro (PRTB), que deixou a Câmara em maio. Ele exerceu o mandato por um ano e conseguiu números expressivos, só em 2015 apresentou 24 projetos de lei, no entanto o levantamento do JORNAL DA PARAÍBA aponta que pelo menos 14 desses foram copiados. Isso quer dizer que 58,3 % da produção de Carneiro são de réplicas de outras casas legislativas.
Como deixou claro, Eduardo não vê problemas em usar projetos de outros parlamentares. O suplente garante que em alguns casos conversou com os autores das leis originais antes de apresentar as matérias na Câmara de João Pessoa e citou como exemplo a proposta que obriga estabelecimentos comerciais, como supermercados e farmácias, a higienizar carrinhos e cestas, originalmente apresentado em Natal, que ainda não foi votado.
Eduardo Carneiro apresentou 14 projetos copiados no primero semestre (Foto: Divulgação)
Entre os projetos clonados pelo recordista Eduardo Carneiro aparecem também o que determina a fixação das notas do IDEB na entrada das escolas (igual a um de Manaus); o que estabelece que todos os assentos dos ônibus coletivos vão ser preferenciais (igual a um de Fortaleza); e também o que obriga supermercados a informarem data de validade de produtos promocionais (igual a um do Rio de Janeiro).
Apesar de dizer que conversou com os idealizadores das leis, Carneiro não expõe isso nas justificativas apresentadas. Como a grande maioria dos vereadores, ele protocolou todas as matérias copiadas como se fossem novas. E o pior, em pelo menos sete casos não se deu o trabalho sequer de alterar o texto da justificativa.“Às vezes ele é adaptado e às vezes as realidades são semelhantes, não precisa de adaptação”, rebateu Eduardo, desconversando sobre copiar os protestos com justificativa e tudo.
Com base no levantado pela reportagem, apenas um, entre os 42 projetos da lista, traz explícito que foi inspirado em iniciativas de outros locais. A matéria em questão é a proposta de proibir a prática de abastecimento de veículos automotivos além do limite do automático, prática conhecida como 'chorinho'. O autor é o vereador Bira Pereira (PT), que copiou leis existentes em Santa Catarina e no Distrito Federal.
“Se tem uma medida de impacto positivo para a população em outros municípios não vejo problema em modificar e adaptar para a realidade do município de João Pessoa, desde que sejam citadas as experiências positivas das outras cidades, dá até mais legitimidade. Isso é positivo”, ressaltou o vereador petista.
Bira disse ser contra a 'cópia pela cópia' e destacou inclusive que fez críticas públicas quando teve projetos de sua autoria replicados na Assembleia Legislativa da Paraíba sem que houvesse menção ao fato das ideias terem partido dele. “Isso aí eu condeno, não amplia a experiência legislativa do parlamentar. É preciso que haja uma adaptação para a realidade local”, completou, destacando que a ausência de modificações pode, por exemplo, colocar os textos em uma situação de inconstitucionalidade.
O vereador Renato Martins (PSB) tem uma visão um pouco diferente para a situação. Na ótica do socialista é difícil se criar um lei do nada. “O ordenamento jurídico nacional é muito parecido. O que é bom pode ser visto, analisado e reapresentado”, afirmou. Ele ainda contou que muitas vezes leis originais têm dificuldade para serem aprovadas na Câmara Municipal de João Pessoa.
Números x fragilidade do Legislativo
Uma busca incessante para criar estatísticas de produção. É dessa maneira que o cientista político José Artigas avalia a apresentação em excesso de cópias de projetos de leis. Para ele, isso mostra a fragilidade do Legislativo, que tem se tornado apenas um chancelador do Executivo.
“Isso monstra a incapacidade do Legislativo de produzir, a dificuldade de fazer um diagnóstico mais preciso do espaço em que estão”, afirmou Artigas. “Hoje em dia, no mercado eleitoral, muitos representantes usam a quantidade como indicadores de produção legislativa. Usam a iniciativa [a cópia de projetos] como forma de produzir estatísticas e usar isso no momento das eleições”, completou.
Artigas acredita que se feita da forma correta a importação de leis pode ser boa. O cientista pontua que isso teria que ser feito a partir de discussões integradas com a participação dos Legislativos de diferentes níveis, onde poderiam ser debatidas as ideias que tiveram êxito e só depois disso elas deveriam ser replicadas. No entanto, esses fóruns de debates não existem.
“É positivo que os vereadores procurem os projetos que tiveram sucesso. Mas como eles não fazem isso, acabam apresentando uma cópia pura e simples, um 'Ctrl C e Ctrl V', sem adaptação da legislação à realidade local. Eles apresentam sem procurar saber se teve sucesso, se representou eficácia no lugar em que foi criada”, ponderou.
Ranking dos vereadores 'copiadores'
Eduardo Carneiro (PRTB) – 14
Lucas de Brito (DEM) – 7
Renato Martins (PSB)- 4
Bruno Farias (PPS)- 3
Bosquinho (DEM) -3
Fuba (PT) - 3
Raoni Mendes (PDT)- 2
Raíssa Lacerda (PSD)- 1
Dinho (PR)- 1
Sérgio da SAC (PSL) – 1
Benilton Lucena (PT) -1
Marmuthe Cavalcanti (SD)- 1
Bira Pereira (PT) -1
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