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CULTURA

Gumercindo Dórea, o homem que ensinou a ficção científica a falar português

Ele também foi responsável por revelou os grandes Rubem Fonseca e Nélida Piñon através das Edições G.R.D.

Publicado em 03/05/2015 às 8:00 | Atualizado em 14/02/2024 às 12:22

Ele foi o homem que ensinou a literatura brasileira o mapa das estrelas, a explorar novos mundos e conhecer seres de outros planetas. Mais: ensinou a ficção científica a falar português. O editor Gumercindo Rocha Dórea desbravou um admirável mundo novo através de sua nave, a Edições G.R.D., tornando-se um ícone do gênero no país.

Aos 90 anos de idade, com saúde para dar e vender e humor para emprestar, o baiano Gumercindo passou por João Pessoa na semana passada, onde se encontrou com um dos seus mais devotos discípulos, o escritor paraibano Braulio Tavares, colunista do JORNAL DA PARAÍBA e um dos grandes especialistas do país em livros sobre civilizações perdidas, planetas distantes e futuros distópicos.

Sob a mediação do professor Claudio Brito, os dois gravaram um bate-papo em vídeo para um documentário sobre ficção científica, cujo projeto será submetido ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB).

Conhecedor como poucos das histórias de Tarzan escritas por Edgar Rice Burroughs, das HQs de O Principe Valente, de Hal Foster, e Flash Gordon, de Alex Raymond, além da obra “quase toda” de Júlio Verne, Gumercindo largou Salvador - onde havia exercido cargos públicos, como o de secretário de turismo - para uma jornada espacial... literalmente!

Entrou no negócio de livros para lançar os títulos que gostava e não encontrava tradução no Brasil. Dessa maneira, introduziu no país a literatura fantástica em meados do século passado. “Ele foi o primeiro a publicar H.P. Lovecraft no Brasil”, ilustra Braulio, referindo-se ao cultuado autor de horror e fantasia.

A G.R.D. - iniciais do editor - também foi a primeira editora nacional a publicar o romance distópico Nós (no original), do russo Evgueny Zamiatin, obra que teria influenciado clássicos do quilate de Admirável Mundo Novo (de Aldous Huxley) e 1984 (de George Orwell). Lançado em 1962, o livro saiu no Brasil com o título de A Muralha Verde.

“O título foi uma sugestão minha”, anuncia o Gumercindo. “Tinha lá a construção da nave para levar a sociedade do futuro para dentro uma muralha verde”, justifica. “Que é mais chamativo que Nós simplesmente...”, intervém Braulio Tavares. “‘Nós é puramente filosófico”, sintetiza o editor.

Gumercindo admite que publicou alguns livros estrangeiros sem autorização, mas faz uma ressalva: “Nunca nenhum veio reclamar. Também, nenhum era conhecido no Brasil! Muita gente me dizia: mas quem são esses caras?! E eu respondia: procure aprender sobre eles. Eles representam o futuro!”.

FILOSÓFICO E RELIGIOSO



A história das Edições G.R.D. começa em 1958, quando a pequena editora publicou a tradução de Além do Planeta Silencioso, obra de C.S. Lewis (famoso pelas Crônicas de Nárnia), lançada originalmente 20 anos antes.

“A única crítica que saiu na imprensa, saiu no jornal O Estado de São Paulo, mais ou menos assim: lamentavelmente, o editor Gumercindo Rocha Dórea começou a lançar ficção científica no Brasil com um livro filosófico e religioso”, recorda o editor com uma lembrança vivíssima daquele texto.

De tiragens pequenas que quase nunca chegavam a uma segunda edição - em média, os livros saíam com 1.500 exemplares; os poucos best sellers alcançavam três mil -, a G.R.D. teve seu auge nos anos 1960. “Eu acredito que meu trabalho abriu caminho para a ficção científica brasileira”, reconhece o editor.

Na década de 1980, Gumercindo Dórea chegou a se desfazer de bibliotecas inteiras e repletas de verdadeiros tesouros para financiar a publicação de novos livros e sustentar a família. Aposentado do INSS, segue pesquisando livros raríssimos na intenção de lhes dar novas tiragems, dessa vez bem menores, com cerca de 30 cópias, em um esquema mais modesto, mas igualmente repleto de qualidade.

A famosa 'Geração G.R.D.'

Gumercindo Dórea também foi responsável por patrocinar as primeiras obras de autores de grande vulto nos dias de hoje, como Rubem Fonseca (Os Prisioneiros, de 1963, e A Coleira do Cão, 1965) e a imortal Nélida Piñon (Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo, 1961, e Madeira Feita Cruz, 1963). Também lançou livros dos poetas Gerardo Melo Mourão e Jose Alcides Pinto e da jornalista e escritora carioca Maria Alice Barroso, entre tantos outros.

Alias, é Invenção do Mar (Record, 1997), de Gerardo Mourão (1917-2007), um livro que Gumercindo declara que gostaria de ter editado. “É o livro em que ele reescreve a história do Brasil tomando por base a poesia dos Lusíadas (de Camões). É uma beleza de livro”, garante.

Acontece que Gumercindo foi mais além: convenceu alguns já renomados escritores a enveredar pelo ramo da ficção científica. E lá foram Antônio Olinto e Rachel de Queiroz, além de Fausto Cunha, João Camilo de Oliveira Tôrres e outros se debruçarem sobre extraterrestres, naves espaciais e aventuras intergalácticas.

Os textos renderam uma coletânea considerada até hoje um marco na literatura nacional: Antologia Brasileira de Ficção Científica (1961). Ele, ao lado do conto ‘Eles Herdarão a Terra’, da paulista Dinah Silveira de Queiroz, lançado no ano anterior, deu início à chamada 'Geração G.R.D.'.

“Muita gente acha que eu fiz parte da Geração G.R.D., mas eu não fiz; fiz, sim, como leitor. Eu cresci lendo os livros das Edições G.R.D. que chegavam na Livraria Pedrosa em Campina Grande”, comenta Braulio Tavares, ressaltando que os livros editados por Gumercindo tinham boas traduções e todo um cuidado gráfico.

Foi batendo na porta desses escritores que o editor baiano os levou a escrever ficção científica. “Eu dizia comigo: eu só tenho material estrangeiro, e pensava: esse pessoal deve saber ler e escrever ficção científica. Vamos experimentar!”.

Para ele, Dinah Silveira foi o “abre-te Sésamo” dessa empreitada. “Ela tinha publicado o conto ‘Eles Herdarão a Terra’. Eu li e fui bater na porta da Dinah. Fui a ela, ela topou a parada e aquilo me deu um incentivo (para convencer os outros e publicar a antologia)”.

“GERAÇÃO PRÉA”

A nova geração de escritores de ficção científica não interessa a Gumercindo Dórea. “É uma geração danada que tá aí; parece preá!”, brinca, para em seguida adotar um tom mais sério: “Tem gente escrevendo ficção científica que não é brincadeira e, cá entre nós, os ponho de lado”.

Mas entre os novos nomes, G.R.D. descobriu a literatura de horror, da qual nunca foi muito próximo como leitor. “Eu nunca tinha lido nada de vampiro…” admite. “Uma vez, eu tava naqueles encontros (de literatura fantástica) em São Paulo e me chega aquela japonesa: É o senhor que é o G.R.D.? Eu sou a Giulia Moon (autora conhecida pela série Kaori)”.

Depois desse encontro, o baiano passou a devorar todos os livros da escritora paulistana. “Se eu tivesse capital para isso, eu iria desafiá-la a escrever um livro de fantasmas, mas ambientado na Bahia! Ninguém aproveitou essa ideia ainda…”, comenta. E não vale argumentar com Dona Flor e Seus Dois Maridos...

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Jornal da Paraíba

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