POLÍTICA
CRDH/UFPB repudia fala de Lucas de Brito
Vereador declarou ser contra destino de recursos para a Associação de Prostiutas da Paraíba; CRDH/UFPB criticou fala do vereador.
Publicado em 02/05/2014 às 18:17
O Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba emitiu na tarde desta sexta-feira (2) uma nota de repúdio às declarações do vereador Lucas de Brito (DEM) relativas ao projeto 'Puta Cultura', desenvolvido pela Fundação Cultural de João Pessoa (Fujope) em parceria com a Associação das Prostitutas da Paraíba – APROS. De acordo com a nota, a fala do vereador teria sido 'de elevado teor sexista e estigmatizante'.
O projeto 'Puta Cultura' destina recursos para realização de atividades culturais promovidas pela Associação das Prostitutas da Paraíba, que venceu o edital dos Pontos de Cultura/2014.
Para o vereador o destino de recursos para a APROS merece ser investigado e que a PMJP deveria apresentar programas para 'libertar as pessoas escravizadas pela prostituição e devover a dignidade'.
“Existem pessoas escravas da prostituição. Em vez de nos depararmos com uma política pública para devolver a dignidade dessas pessoas e incentivá-las a saírem da prostituição, deparamo-nos com o contrário, com o desenvolvimento do programa Puta Cultura, que vai destinar R$ 180 mil para a Associação de Prostitutas. Precisamos saber o que vai ser feito com esses recursos”, declarou o vereador.
Leia na íntegra a nota emitida pelo Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba.
Nota de repúdio do CRDH/UFPB às declarações do vereador Lucas de Brito acerca das prostitutas na Paraíba.
O Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba vem a público expressar seu veemente repúdio às declarações do vereador Lucas de Brito (DEM) acerca do projeto de nome “PUTA CULTURA”, apresentado pela APROS - Associação das Prostitutas da Paraíba - e vencedor do edital dos Pontos de Cultura/2014, lançado pela Fundação Cultural de João Pessoa, por considerar de elevado teor sexista e estigmatizante as palavras do parlamentar, absolutamente impertinentes no contexto de um Estado que se pretende democrático e de direito.
A preocupação com a contenção do “crescimento da prostituição” e a consequente negativa ao reconhecimento de direitos básicos às profissionais do sexo parece de um maniqueísmo e de uma crueldade inigualáveis. O discurso moralista no qual se ampara o vereador, que parece não ver à mulher outra postura comportamental se não a de uma vida “casta e recatada”, soa em absoluto descompasso com as recentes conquistas do movimento feminista, no sentido da autorregulação feminina diante de seu corpo e de sua própria sexualidade. Ao que aparenta, a pretexto de repudiar a prostituição, parece o vereador estar compenetrado em restaurar o controle da vida sexual feminina, ao defender que o poder público deve selecionar quais são e quais não são as políticas públicas a que fazem jus as mulheres que usam como querem de seus próprios corpos.
A propósito da fala do parlamentar, importa observar que, longe de se constituir como um amparo perante as difíceis intempéries da vida da prostituta, os fundamentalismos moral e religioso constroem uma representação cultural estigmatizada da mulher, sendo conivente não apenas com a violência noturna, mas também com todas as outras formas de opressão patriarcal, vindo a dar ensejo ao amplo rol de perseguições sociais e institucionais sofridas pelas mulheres. Como o presente caso evidencia, num ato de vil e repugnante preconceito sexual, ao desconsiderar que a prostituta, enquanto sujeito humano que é, possa ser tratada como uma agente irradiadora de cultura, negam-se às mulheres que fazem o que querem com o próprio corpo os atributos intelectuais e criativos creditados a todas as demais pessoas.
O discurso “da moral e dos bons costumes” trata as escolhas das profissionais do sexo como alheias a qualquer valor e lhes nega a capacidade de contribuir com o engrandecimento da humanidade, chegando à autoritária conclusão de que não se deve conceder a estas mulheres qualquer possibilidade de virem a se tornar titulares de direitos, ainda quando diante de êxito em edital público perante uma abalizada comissão examinadora – o que, por si só já caracteriza uma forma extrema de violência institucional de gênero. Atos hipócritas semelhantes ao do caso em tela, que se ocupam de fingir a inexistência da prostituição como fenômeno histórico, apenas reforçam a necessidade de políticas de reparação simbólico-cultural e nos permitem lembrar que a gritante situação de marginalização da mulher que vive do sexo no contexto socioeconômico brasileiro tende a se perpetuar no tempo, caso o Congresso Nacional termine, mais uma vez, por não regulamentar a profissão da prostituta, negando-lhes direitos previdenciários e a possibilidade de exigirem judicialmente as dívidas referentes aos serviços prestados na noite.
É importante lembrar ainda que, ao contrário do que foi dito pelo vereador, que alegou tratarem-se os “Pontos de Cultura” de um programa que não desenvolve a dignidade das pessoas e sua autonomia, o que foi constatado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é que as ações promovidas constituem-se como ações potencializadoras das manifestações culturais das comunidades envolvidas no projeto. É preciso superar a compreensão de cultura em seu sentido meramente formal, restrita a um academicismo elitista, estático, e voltar os olhos para uma produção cultural viva, presente nas relações cotidianas dos sujeitos e suas realidades, despido de preconceitos e capaz de perceber que cada pessoa tem um saber que merece ser valorizado e respeitado.
A posição deste Centro de Referência em Direitos Humanos será intransigente no sentido de tomar as medidas cabíveis para que todas as mulheres sejam dignas de consideração e de terem sua humanidade respeitada, seja qual for a profissão que exerçam e sejam quais forem as escolhas que façam em vida.
João Pessoa, 02 de maio de 2014.
Comentários