POLÍTICA
Vereadores de João Pessoa abusam na concessão de honrarias
Entre 2013 e 2014, foram apresentados mais de 300 decretos legislativos para títulos, diplomas e outros. Número é maior que o de toda legislatura anterior.
Publicado em 25/02/2015 às 16:04
A atual composição da Câmara de João Pessoa caminha a passos largos para alcançar um recorde: ser a legislatura que mais concedeu homenagens. Em 2014 os vereadores da capital paraibana apresentaram 174 projetos de decretos legislativos outorgando títulos de cidadania, diplomas, medalhas e comendas. Se acrescentarmos outros 162 projetos apresentados em 2013, chegamos ao expressivo número de 336 honrarias, em dois anos de mandato dos parlamentares. O número é maior do que o total apresentado durante toda a legislatura anterior, entre 2009 e 2012, que foi 296.
Pode-se argumentar que a legislatura atual tem mais cadeiras do que a anterior, já que nas eleições de 2012 a Câmara pessoense passou de 21 para 27 vereadores. No entanto, a questão vai mais além. A 'chuva' de homenagens, muitas delas sem critérios claros, acontece porque os parlamentares têm desrespeitado o Regimento Interno da Casa Napoleão Laureano.
O Regimento, documento que define as regras da Câmara, estabelece em seu artigo 212 que cada vereador só terá direito a apresentar, em cada Sessão Legislativa, cinco projetos de concessão de honrarias. O detalhe é que a Sessão Legislativa não é aquela que os vereadores realizam pelo menos três vezes por semana, que é a Ordinária, ela é na verdade a forma como é chamado cada ano dos quatro que compõem a legislatura. Ou seja, cada parlamentar só poderia apresentar cinco projetos desse tipo anualmente.
Com 27 vereadores, a Câmara deveria ter no máximo 135 homenagens apresentadas por ano. Levando em conta que quatro suplentes exerceram mandato em 2014, esse número poderia chegar a 155. Só que a quantidade de homenagens é tão discrepante da regra estabelecida no papel que apenas a vereadora Raíssa Lacerda (PSD) apresentou 23 projetos de decretos legislativos, se tornando pelo segundo ano seguido a recordista, pois em 2013 ela propôs 29 matérias desse tipo.
Em 2014, Raíssa Lacerda homenageou juízes, jornalistas, políticos e até o atacante paraibano Hulk, do Zenit da Rússia , que disputou a Copa do Mundo do Brasil. O JORNAL DA PARAÍBA tentou, por repetidos dias, contato com a parlamentar para saber os critérios dela para as honrarias e também uma justificativa para os números, mas as ligações não foram atendidas.
O eterno presidenciável José Maria Eymael recebeu o título de cidadão em agosto (Foto: Divulgação/ Assessoria)
Honrarias só podem ser concedidas a quem prestou serviços relevantes
A Câmara de João Pessoa tem atualmente 20 diferentes tipos de honrarias, que estão estabelecidas no artigo 208 do Regimento Interno. Todas elas só podem ser concedidas a personalidades e instituições que “comprovadamente tenham prestado relevantes serviços ao Município de João Pessoa e/ou ao Estado da Paraíba”. O projeto de concessão das honrarias obrigatoriamente deve ser apresentado com uma detalhada biografia da pessoa que se pretende homenagear e da relação dos trabalhos ou serviços prestados. Essas são outras regras que nem sempre são cumpridas.
Em agosto do ano passado a vereadora Eliza Virgínia (PSDB) apresentou um projeto para conceder o Título de Cidadão Pessoense ao pastor Robson Rodovalho. Sendo que além de não apresentar nenhum motivo realmente relevante para a honraria, na sua justificativa a parlamentar ainda colocou uma biografia inconsistente de Rodovalho, citando que ele era candidato à presidência da República pelo PSC. No entanto, quem disputou o cargo pelo citado partido foi Everaldo Pereira, o Pastor Everaldo, que recebeu a homenagem da Câmara no mesmo mês.
No caso de Everaldo, é preciso registrar um outro fato: o título foi entregue em plena campanha eleitoral. Sem falar que foi aprovado durante uma manhã e entregue no turno da tarde do mesmo dia, aproveitando que o pastor cumpriria agenda como candidato à presidência no Estado. E ele não foi o único presidenciável a receber título de cidadão durante a campanha. Também em agosto, José Maria Eymael (PSDC), aquele do jingle famoso, recebeu a homenagem após propositura de João Corujinha (PSDC).
Critérios precisam ser mais rigorosos
Títulos de cidadania, medalhas, comendas e outras homenagens, são concedidas em Casas Legislativas em todo o país. A diferença é que algumas são mais criteriosas com esse quesito. Um exemplo é a Câmara de São Paulo. O JORNAL DA PARAÍBA analisou o Regimento Interno e viu que os vereadores da maior cidade do país têm regras rígidas para as honrarias.
Em São Paulo uma proposta de homenagem precisa ser subscrita, apoiada, por dois terços dos membros da Câmara. É vedada a concessão de títulos a pessoas no exercício de cargos ou funções executivas, sejam eletivas ou por nomeação. Lá cada parlamentar só pode apresentar oito projetos de honraria por legislatura, ou seja, no máximo dois por ano.
Presidente admite mudar Regimento da CMJP
O presidente da Câmara de João Pessoa, Durval Ferreira (PP), minimiza o fato dos parlamentares estarem apresentado uma quantidade de projetos de decretos legislativos acima do limite anual de cinco, estabelecido pelo Regimento Interno da Casa Napoleão Laureano. De acordo com ele, o plenário tem poder para autorizar o excesso.
“Quando se apresenta um número superior de projetos que concedem honrarias, em relação ao que o Regimento Interno disciplina, a decisão é submetida ao plenário, que é soberano”, diz Durval. O próprio presidente não seguiu a regra em 2014, ele apresentou 10 projetos de concessão de homenagens.
Apesar de evitar falar em exageros na quantidade de honrarias apresentadas pelos vereadores, o presidente admite a possibilidade de mudança no Regimento Interno para tornar as regras mais rígidas. “A norma interna do Poder Legislativo Municipal não é estática, ela está em constante atualização para atender e disciplinar procedimentos de uma Casa plural, que busca atender os anseios da população”, disse.
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