VIDA URBANA
Corretores de imóveis operam "máfia" da venda ilegal de casas
Comércio de casas em conjuntos habitacionais não é novidade, mas segue em ritmo intenso e, ao passar do tempo, tem ganhado proporções cada vez maiores.
Publicado em 31/01/2010 às 8:43
Jacqueline Santos
Do Jornal da Paraíba
Nos conjuntos habitacionais, não são raros os casos de anúncios para a venda de imóveis doados Preço: R$ 30 mil. Esse é o valor cobrado por uma casa de um dormitório, sala, cozinha, banheiro e uma pequena varanda. Nada de se estranhar se o imóvel não fosse localizado em um conjunto habitacional cujas mais de 200 casas foram doadas pelo governo do Estado. O “Patrícia Tomaz”, situado próximo a Jacarapé, em João Pessoa, está na lista das localidades compostas de moradias que não custaram nada para seus proprietários, mas são repassadas a terceiros numa prática completamente ilegal.
O comércio de casas em conjuntos habitacionais não se trata de uma novidade, mas segue em ritmo intenso e, ao passar do tempo, tem ganhado proporções ainda maiores. A denúncia origina-se de representantes de entidades de luta por moradia de João Pessoa. Existem bairros em que 40% do total de construções foram comercializadas por pessoas “carentes” que, na maioria das vezes, amargaram anos na fila dos órgãos públicos de habitação à espera por uma moradia.
Na capital, por exemplo, o negócio está tão organizado que até conta com corretores especializados no ramo de imóveis de conjunto. Os contraventores agem de forma discreta e conseguem ganhar campo. A reportagem do JORNAL DA PARAÍBA conversou, por telefone, com um deles, que atua nos bairros Colinas do Sul I e II e Gervásio Maia, todos doados pelos governos estadual e municipal.
O intermediador preferiu se omitir e evitou prestar informações detalhadas sobre os imóveis. No entanto, nas entrelinhas, confessou ter casas disponíveis para a venda nessas localidades. Quando questionado se haveria algumas opções no valor de até R$ 10 mil, ele questionou: “Você me dá a minha comissão?”, deixando claro a possibilidade de aquisição por parte do interessado.
Os casos mais graves foram detectados nos conjuntos Colinas do Sul, segunda etapa, e no Gervásio Maia, em que os valores imobiliários inflacionam a cada ano. De acordo com o presidente da União Municipal das Associações e Entidades Comunitárias de João Pessoa (Umac-JP), Upiraktan Santos, construções que hoje custam entre R$ 10 mil e R$ 15 mil podem chegar a R$ 20 mil ou R$ 30 mil até dezembro deste ano. Na época em que as casas foram concluídas, o valor médio era de R$ 2 mil. “Muita gente tinha casa fechada e entregou a preço de banana. Na verdade não custou nada para ele, né?”, ironiza.
A tabela não leva em conta os tamanhos ou modelos das moradias e sim a localização dentro do bairro. Caso esteja em um terreno de esquina, maior se comparado aos demais e onde é possível construir um ponto comercial, o custo fica bem mais elevado. Quem quiser comprar, não vai encontrar placas de venda ou nenhuma outra sinalização indicativa na maioria delas. O comércio é feito na “surdina” para que as autoridades não desconfiam do crime. Entretanto, até recibos de compra e venda são emitidos aos compradores.
“As pessoas recebem o imóvel e logo em seguida colocam à venda. Tem situações em que elas ganharam o bem por meio de apadrinhamento político, mas nem precisavam. A intenção é ganhar um dinheiro em cima da contemplação. Em outros casos estão aqueles que realmente não têm onde morar, mas pela ganância do dinheiro e acabam se desfazendo da conquista sonhada a vários anos”, explicou Santos.
No primeiro caso, segundo o presidente, o que se vê é a especulação imobiliário e os proprietários aguardam uma certa valorização do imóvel para colocá-los à venda. Já quem não tem outra casa para morar e decide repassar o imóvel doado vai, em geral, viver com familiares ou passam a ocupar acampamentos e voltar a viver em condições subumanas.
A equipe de reportagem do JP visitou o conjunto Patrícia Tomaz, entregue à comunidade carente há seis anos. No início das contemplações, era comum se flagrar os moradores trocando os imóveis por eletrodomésticos, pequenas quantias em dinheiro e até por aparelhos celulares. Santos disse que fatos dessa natureza ocorrem desde a época dos primeiros conjuntos habitacionais e lembra que vários mutuários de Mangabeira I se desfizeram de suas casas em troca de “farras”.
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