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CULTURA

Crônica: a sombra do poeta são versos que vão ficar entre nós

Ronaldo Cunha Lima é o poeta do verso simples, da palavra que flui no compasso do vento e descreve seus sentimentos.

Publicado em 08/07/2012 às 8:00

Guardo regozijado um poema que Ronaldo Cunha Lima dedicou ao meu livrinho de crônicas 'Recados do meu sítio', dias depois que o fiz chegar à suas mãos. O recado dos seus versos me conduz a um esforço imenso para corresponder às insinuações feitas por ele a respeito das crônicas publicadas, reminiscências do meu tempo de criança em Serraria, paisagens contempladas por ele que também ali viveu e andou alimentando-se do verde dos canaviais e dos acenos das palmeiras imperiais dos cocurutos das serras.

A minha aproximação com Ronaldo vem do tempo em que, ainda morando em Tapuio, escutava falar de suas façanhas de tribuno audacioso, o encantador de multidões em Campina Grande e por onde passava, com verve de poeta a contaminar legião de admiradores.

As conversas se estendiam em torno do balcão da bodega de papai, com os caboclos, feito papagaios, repetiam o que ouviam do rádio, ou repassado por alguém que pessoalmente ouvia sua voz abafar o zumbido da ventania durante os discursos que pronunciava.

Ronaldo Cunha Lima é o poeta do verso simples, da palavra que flui no compasso do vento. As palavras que descrevem seus sentimentos são arrumadas de tal modo que conduzem ao prazer da leitura. Seja lendo ou ouvindo declamar seus versos, a emoção é a mesma. Uma duplicidade da emoção: individual ou coletiva.

O público se extasiava com seus vibrantes discursos poéticos, sempre pedindo bis ao final de cada verso improvisado. Ele se lançava como o cavaleiro andante na luta contra os moinhos de vento, e ao final, vitorioso, recebia como prêmio os aplausos dos seus cativos admiradores.

A propósito da morte de Ronaldo, que vinha sendo esperada há bastante tempo, devido ao agravamento de sua saúde, o que de mais bonito se possa escrever, a fim de ressaltar o homem e a vocação literária, principalmente de poeta, utilizo as palavras de Euclides da Cunha, quando descreveu, de forma memorável, há 117 anos, os últimos momentos de Machado de Assis, o grande romancista brasileiro, conforme narrou Josué Montello em seu Diário da Tarde.

Tomando conhecimento pelos jornais da morte do autor de Memorial de Aires, o jovem Astrojildo Pereira foi até a residência dele, nas Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Ali encontrou os escritores Graça Aranha, Coelho Neto, Mário de Alencar, José Veríssimo, Raimundo Correia, Rodrigo Otávio e o próprio Euclides, para uma visita, porque o conhecia apenas de nome e das leituras de seus livros. Entrou e se aproximou do leito onde estava o mestre, acariciou uma das suas mãos, beijou-a, debruçou-se contra o peito e saiu, sem pronunciar única palavra.

A cena foi descrita pelo autor de Os Sertões, um dia depois a morte de Machado de Assis, em crônica publicada no Jornal do Comércio. “Naquele momento, o seu coração bateu sozinho meio segundo em que ele estreitou o peito moribundo de Machado de Assis, aquele homem foi o maior homem de sua terra.”

Muitos admiradores e leitores anônimos, numa avalanche de devotos que o acompanharam conquistados em mais de cinco décadas, repetindo o gesto do jovem descrito do Euclides da Cunha, foram para o último adeus a Ronaldo. Certamente sentirão a falta dele, mas haverá o consolo dos gestos fraternos protagonizados e da lição de democracia que emanavam de suas palavras e atitudes de político comprometido com o estado de penúria do povo.

Poucas vezes tenho escrito sobre amigos que viveram sua páscoa definitiva, mas no caso de Ronaldo preferi derramar olhar ao ataúde sem mirar seu rosto. Apesar do rosto imóvel no seu esquife, rodeado de flores, quero manter a imagem harmoniosa do homem vibrante e alegre ao qual servi como repórter ao tempo quando esteve no governo do Estado.

Guardo a última expressão do seu rosto para juntos contemplarmos o homem e a terra, depósito das esperanças. No mais, são recordações acumuladas no tempo e no espaço que habitamos. Ele, homem de gestos renovados a cada situação de carência, e eu, parceiro dos mesmos sonhos e das necessidades espirituais.

Olhando a caminho da última morada, percebi os olhos cerrados, esquecido de si mesmo, senti a melancolia da despedida ao acaso, a cintilação das estrelas próximas, a ternura da brisa e o ruído das águas, o cântico dos pássaros – tudo renovado pelo seu espírito poético. Tudo está nos livros que agora ocupam nossas estantes.

Ele continuará a falar conosco através dos versos que deixou, a expressão da sua sensibilidade de poeta do amor, do homem que fazia política com o coração.

Como poetizou Augusto dos Anjos, que tanto admirava e ajudou a torna-lo conhecido em todo o país, a tua sombra ficará aqui, entre nós. (Especial para o Jornal da Paraíba)

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Jornal da Paraíba

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