VIDA URBANA
Quilombolas da Paraíba lutam pela terra
Nas áreas dos quilombolas de Paratibe e Gurugi, a especulação imobiliária dificulta regularização e delimitação.
Publicado em 17/03/2013 às 10:00
A especulação imobiliária é o grande problema enfrentado pelos afrodescendentes que moram nas comunidades quilombolas de Paratibe, em João Pessoa, e Gurugi, no município do Conde, litoral sul do Estado. Conforme os estudos antropológicos realizados por equipes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), parte das áreas que seriam, historicamente, de direito dos afrodescendentes, foram vendidas de maneira irregular e hoje dão espaço a loteamentos e casas de veraneio.
Conforme relatos dos quilombolas de Paratibe, localizado no bairro do Valentina, na capital, as primeiras ocupações no território datam de 1830. Hoje, 150 famílias vivem na área, delimitada pelo Incra em 267 hectares. No entanto, historicamente, a área do quilombo seria quase o dobro desta extensão, como explica a antropóloga do Incra, Ester Pereira Fortes. “Quando começamos o processo de regularização dessa área, em 2008, vimos que é uma área de especulação imobiliária e que antes desse processo, muitos dos quilombolas não tinham os registros individuais das terras e vendiam a empresários e granjeiros através do usucapião.
Então, quem comprava regularizava a terra desta forma”.
Ainda conforme a antropóloga, nos últimos 5 anos, quando foi iniciado o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território de Paratibe, essa prática irregular diminui e 29 títulos já foram identificados e os proprietários serão notificados e, posteriormente indenizados para desapropriar a terra. “A partir deste relatório, nós fazemos o levantamento desses títulos e a regularidade dessas transações. As análises continuam e acreditamos que outros proprietários ainda serão notificados. Se a gente perceber que a pessoa que adquiriu o terreno agiu de má fé, perde a indenização”, reforça.
Enquanto a fase de notificação não é concluída, a comunidade quilombola de Paratibe convive apreensiva em continuar perdendo o território e com medo de sofrer represálias por lutar pelo direito da terra. “Antigamente tinha mais de 200 famílias morando aqui.
Mas, quando começaram os loteamentos, teve gente que vendeu e deixou a comunidade, por falta de condições e por medo também”, explicou a presidente da associação dos quilombolas de Paratibe, Mônica Ferreira. Ela disse ainda que a comunidade não convive tranquila com a expansão imobiliária nos arredores do quilombo e teme sofrer ameaças por parte dos proprietários de granjas e sítios que estão dentro do território de maneira irregular.
“Mesmo com as negociações do Incra e das ONGs a nosso favor, a gente tem medo de sofrer alguma pressão, porque essa área aqui é grande e há muito interesse”, disse a presidente.
A expansão imobiliária no local também trouxe problemas econômicos para a sobrevivência de quem mora no quilombo. A poluição dos rios que passam pelo local e o desmatamento são as principais consequências apontadas pelos moradores. Josineide Nascimento, de 33 anos, é bisneta de escravos e nasceu na comunidade. Com dificuldade ela tenta manter vivas as tradições de plantio e coleta que aprendeu com os antepassados, mas sente tristeza ao ver que os rios estão poluídos e as árvores quase escassas. “Quando eu era criança, eu pescava com meus pais no rio Cuiá, mas hoje tá tudo poluído por causa dos esgotos.
Agora para pescar, vou à Barra de Gramame, onde também tinha muita árvore com fruta, mas agora mal tem coco”, lamenta.
Na cidade do Conde, o quilombo Gurugi também passa por situação semelhante ao de Paratibe. Conforme informações do Incra, ainda está sendo feito o RTID do território do quilombo.
Porém, já foi constatada a venda de lotes para a construção de casas de praia. “O interesse na área do Conde é mais voltado para o turismo, por ser uma área litorânea. A área próxima ao rio Gurugi também é bastante visada pelos empresários, por conta da qualidade da terra e a da área. Ainda estamos fazendo esse levantamento da comunidade, mas já percebemos esse problema”, afirmou a antropóloga Ester Pereira.
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