CULTURA
Setenta anos sem Mário de Andrade
Maior intelectual brasileiro do século 20, escritor ganha sua primeira biografia.
Publicado em 25/02/2015 às 6:00 | Atualizado em 21/02/2024 às 15:52
Do “herói sem caráter” de Macunaíma às gotas de sangue encontradas em cada poema, há 70 anos o escritor Mário de Andrade pousou em outro plano e nos deixou como herança uma vasta coleção de obras valiosas para a identidade intelectual brasileira.
Por ser um nome importante do Modernismo no Brasil, o filósofo Eduardo Jardim se debruçou na história do paulista e estudou a fundo vida, obra e projetos do autor. Em contrapartida, hoje lança, no Rio de janeiro, a primeira biografia de Mário de Andrade, Eu Sou Trezentos: Mário de Andrade Vida e Obra (Edições de Janeiro / Biblioteca Nacional).
Considerado como o maior intelectual brasileiro do século 20 por Jardim, Mário de Andrade cumpre um papel importante na história da literatura brasileira.
“Ele é o escritor mais expressivo, mais articulado. O Mário é um marco no sentido de ter assegurado para a literatura brasileira todo tipo de liberdade do ponto de vista de invenção. Ele faz uma ruptura com forma de fazer arte e literatura. Sem dúvidas, um benefício enorme que ele trouxe de forma definitiva para a nossa literatura”, conta Eduardo Jardim ao JORNAL DA PARAÍBA.
O autor destaca, também, a importância da brasilidade que Andrade trouxe para a arte nacional. Segundo o filósofo, “essa foi uma conquista do Modernismo, sobretudo do Mário e seu grupo”.
A biografia também traz referências à “fase pessimista” da vida do autor. Isto foi uma consequência da interrupção de seu trabalho como diretor do Departamento de Cultura de São Paulo.
“Após uma dedicação incrível do Mário à prefeitura da cidade de São Paulo e ao governo do Estado, em termos culturais, ele é acusado de corrupto pelo Estado Novo e seu projeto é interrompido. Esse final de vida é um período muito angustiado para o autor”.
Este tema já havia sido esmiuçado por Jardim anteriormente.
Estudo profundo de vida e obra, Eu Sou Trezentos é o terceiro livro de Eduardo Jardim que retrata Mario de Andrade.
A primeira publicação, Limites do Moderno (Relume Dumará, 1999), trazia uma análise do pensamento estético de Mário de Andrade. O segundo livro, Mário de Andrade - A Morte do Poeta (Civilização Brasileira, 2005) era mais específico sobre os últimos anos da vida do autor.
EXPEDIÇÃO
Inspirado na viagem de reconhecimento do Brasil por Mário de Andrade, Eduardo Jardim pensa em uma expedição por nosso país para o lançamento do livro. Até agora as praças contempladas são Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. “Mas quem sabe eu não dê uma esticadinha aí na Paraíba”, comenta.
A Paraíba também esteve presente em suas expedições. Mário de Andrade visitou Catolé do Rocha durante sua viagem de reconhecimento intelectual e sentimental do nosso país, “na missão de tornar o Brasil mais familiar aos brasileiros”.
IMPRESSÕES
Sem dúvidas, Mário de Andrade tem grande importância na nossa identidade cultural, em especial dentro da literatura brasileira.
Para o escritor paraibano João Matias, mesmo tendo morrido aos 51 anos, ele deixou preciosas obras relacionadas “aos mais referentes extratos do pensamento social brasileiro”.
Matias acredita que tais publicações ajudaram o país a pensar por si só como nação e como cultura.
“Mário foi além, propiciou aos seus leitores modos diferentes de sentir um Brasil que ainda não se compreendia na sua diversidade de regiões, cores, raças e musicalidades. Seus romances e contos revelam o que de mais representativo lhe chamou os olhos naquela passagem de século: o homem rural, o jeca, nossos mitos brasileiros”, relata o escritor.
LEIA UM TRECHO DA OBRA
O nascimento de Mário de Andrade foi na rua Aurora, 320, no centro da cidade, na casa do avô materno, Joaquim de Almeida Leite Moraes, onde seus pais Carlos Augusto de Andrade e Maria Luísa moravam. Carlos Augusto tinha trabalhado em duas ocasiões com o futuro sogro. Quando este foi indicado presidente da província de Goiás, o jovem tipógrafo e jornalista o acompanhou, como secretário, em uma longa viagem pelo interior, que passou por Goiás e chegou a Belém, no Pará, com retorno a São Paulo por mar. Os Apontamentos de viagem de Leite Moraes fazem parte do repertório de diários de viajantes pelo interior do país, que constitui a principal fonte da história do Brasil até o século XIX. Carlos Augusto foi também jornalista no diário O Constituinte, de propriedade de Leite Moraes. O casamento com Maria Luísa o aproximou ainda mais da família tradicional, e o próprio fato de ter sido acolhido na casa do sogro indica esse forte vínculo.
Depois da morte de Leite Moraes, Carlos Augusto mudou-se com a família para o Largo do Paissandu, 26, ainda no centro da cidade. Mário de Andrade viveu ali, em um sobrado de aspecto sóbrio, a infância e a juventude, até os 28 anos, com o pai – até sua morte em 1917 –, a mãe, dois irmãos –, Carlos, nascido em 1888, e Renato, em 1899, morto em um acidente em 1913 –, a irmã, Maria de Lourdes, nascida em 1901, e a tia Nhanhã, Ana Francisca, irmã de sua mãe e sua madrinha. Os tempos do Largo do Paissandu – alguns poemas e contos revelariam mais tarde – foram marcados pelo isolamento durante a infância e pelos dramas do adolescente com seus conflitos íntimos. Em 1921, a mãe viúva, com sua irmã e os filhos, mudou-se para a rua Lopes Chaves, 108, depois 546, no bairro da Barra Funda. Mário viveu nessa casa – atualmente um centro cultural – até o final da vida.
Na rua Aurora eu nasci
Na aurora da minha vida
E numa aurora cresci.
No Largo do Paissandu
Sonhei, foi luta renhida,
Fiquei pobre e me vi nu.
Nesta rua Lopes Chaves
Envelheço, e envergonhado
Nem sei quem foi Lopes Chaves.
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