CULTURA
Mesmo com Parkinson há 17 anos, Paulo José estrela 'Quincas Berro d'Água'
Ator estrela filme de Sérgio Machado inspirado na obra de Jorge Amado. Ao G1, ele fala do desafio de conviver com o mal de Parkinson há 17 anos.
Publicado em 02/05/2010 às 16:06
Do G1
No tempo em que era um jovem ator em ascensão, coisa da década de 50, quando integrou o elenco do Teatro de Equipe com Paulo César Pereio e Lilian Lemmertz, Paulo José sonhava atingir a maturidade interpretando papéis grandiosos, como o rei Lear. Aos 73 anos, o personagem de Shakespeare ainda não chegou, mas ele garante ter desfrutado da mesma satisfação ao protagonizar o filme “Quincas Berro d’Água”, de Sérgio Machado.
A comédia teve sessão lotada e bastante aplaudida no Teatro Guararapes, em Olinda, na noite de sábado (1). O longa foi exibido dentro da programação do Cine PE Festival do Audiovisual e entrará em cartaz nos cinemas em 14 de maio.
“Fui um jovem que planejava fazer o rei Lear na velhice. Depois parei com essa megalomania, porque a vida acontece enquanto se faz planos”, sentencia Paulo. “Quincas é o meu rei Lear, me trouxe a mesma sensação de felicidade que um ‘shakespeare’ traria”.
Inspirada na obra “A morte e a morte de Quincas Berro D’água”, de Jorge Amado, a história gira em torno de um funcionário público de Salvador que um dia se cansa da vidinha em família e resolve cair na farra. Torna-se um dos maiores malandros do Pelourinho, “ilustre” pela fama de bêbado e mulherengo.
Com a morte de Quincas, a família resolve perdoar seus anos de boemia e promover enterro digno de um homem respeitável. Mas os amigos da malandragem raptam o corpo para presentear o companheiro morto com uma última noite de “pé na jaca”.
"O Quincas morre com um meio-sorriso no rosto e à medida que as doses de álcool aumentam, aqueles beberrões vão se convencendo que a morte é só mais um de seus golpes na praça”, explica Paulo, que passa boa parte do filme como “defunto”.
Quem carrega o corpo do ator pelas ladeiras, terreiros de umbanda, botecos e inferninhos do Pelô são os atores Flávio Bauraqui, Luís Miranda, Irandhir Silva e Frank Menezes – todos ótimos em cenas que ficam irresistíveis de se render ao riso. Mariana Ximenes e Vladmir Brichta são a filha e o genro de Quincas, em busca do resgate do cadáver - “com uma vida mais animada que a de muito vivo”, como descreve o personagem.
Movimentos plenos em cena
Paulo José classifica “Quincas Berro d’Água” como uma “comédia de ação”. “Subi e desci ladeira, dancei, fiquei pendurado em muros e fui lançado ao mar. Tudo sem dublê”.
O ator gosta – e se orgulha – de enfatizar as estripulias em cena, pois se tratam de vitórias saborosas. Há 17 anos, Paulo sofre de mal de Parkinson, já passou por cirurgias e toma seis doses por dia do medicamento para controlar a doença.
“Quando atuo o Parkinson não me afeta, porque consigo condicionar os movimentos do meu corpo. Sei previamente todas as marcações em cena e não fico ansioso”, explica. “O problema maior é na vida. Fico muito mais nervoso em sentar no sofá do Jô para dar uma entrevista, por exemplo. Perco a concentração tentando controlar meus nervos, conter os tremores”.
Quando fala do Parkinson, o ator se converte a especialista – enumera neurotransmissores, substâncias que compõem as fórmulas dos remédios, seus efeitos e contra-indicações. Mas sua parte preferida é aconselhar e incentivar quem é diagnosticado com a doença.
“Não vou negar que há dias em que acordo me sentindo um aspargo no vapor. Mas não deixo o Parkinson me limitar, não deixo de fazer o que quero”, garante o artista. “Tem gente que descobre a doença e se acha um desgraçado, julga que a vida acabou ali. Meu conselho é: tem gente que tem bronquite, bico de papagaio, alergias... Saiba conviver com o seu mal, se informe sobre ele e faça tudo o que tem vontade na vida, incansavelmente”.
Teatro, cinema e televisão
Para comprovar que a receita do ator é eficaz, basta observar sua disposição ao falar de projetos de trabalho. Junto à maratona de divulgação de “Quincas Berro d’Água, Paulo finaliza as filmagens de “O palhaço”, dirigido e também protragonizado por Selton Mello.
“Foi um filme cheio de amor, uma história de candura, que me deu muito prazer”, diz. “O Selton é um grande diretor, está evoluindo para todo mundo ver”, elogia.
No próximo dia 8, Paulo voltará aos palcos de São Paulo ao lado da filha, Ana Kutner, com o espetáculo “Um navio no espaço ou Ana Cristina César”, texto de Maria Helena Kühner sobre a poetiza carioca. Após temporada no Rio de Janeiro, a montagem dirigida pelo próprio ator terá sessões de sexta a domingo, no Sesc Santana.
"O palco é a plenitude do ator. Estou muito feliz em contracenar com a minha Aninha", comemora ele, citando sua filha com a atriz Dina Sfat (1938-1989).
Na TV Globo, o retorno está previsto para o segundo semestre. Ele participará de um dos oito episódios da minissérie “Justiça para todos”, de Wolf Maya, que também terá no elenco as atrizes Luana Piovanni, Ana Paula Arósio e Marcio Garcia. "Serei um juiz, que vai inspirar jovens promotores idealistas. É bom interpretar personagens íntegros e éticos nesse mundo tão cheio de mazelas".
Sobre os novos personagens, costuma dizer que “nunca sabe nem por onde começar". “Tento começar sempre do zero, nunca sei de nada e isso deixa a vida mais gostosa, cheia de desafios. Minha filosofia de vida é o método da ignorância”.
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