CULTURA
O crítico que negou Machado
Centenário de morte de Silvio Romero, nesta quarta-feira (18), remete à obra do autor cuja reputação foi ofuscada por equívoco.
Publicado em 18/06/2014 às 6:00 | Atualizado em 30/01/2024 às 14:44
O erro é um componente da crítica literária. O do crítico Silvio Romero (1851-1914), porém, cavou uma sepultura na qual sua memória ainda se debate, no dia do centenário de sua morte: "Machado de Assis repisa, repete, torce, retorce tanto suas ideias e as palavras que as vestem, que deixa-nos a impressão de um eterno tartamudear. Esse vezo é o resultado de uma lacuna do romancista nos órgãos da palavra", escreve o crítico sergipano na monografia Machado de Assis (1897).
No texto, fruto de uma polêmica que durou anos a fio na imprensa, envolvendo o também crítico (e defensor de Machado) José Veríssimo (1857-1916), Romero compara o hoje centro do cânone da literatura brasileira ao hoje ignorado Tobias Barreto (1839-1889). "Em prosa falada ou escrita, no estilo fluente, imaginoso, poético, e no gracioso e humorístico, Machado de Assis não é superior a Tobias Barreto; é-lhe sempre inferior", defende.
A margem de erro beira um oceano, mas, para o professor, pesquisador e poeta Hildeberto Barbosa Filho, é algo episódico no contexto de uma obra que influenciou toda a crítica literária posterior, feita por nomes como Afrânio Coutinho (1911-2000), Antonio Candido e Alfredo Bosi. "Todos eles pagam excessivo tributo à obra de Silvio Romero, que não pode ser mensurada somente em relação à leitura que ele faz de Machado de Assis", afirma. "Silvio Romero é realmente uma figura que precisa ser relembrada, reestudada e ressignificada, não apenas pelo historiador e sociólogo, mas também pelo leitor. Ele fez boas leituras de escritores como Castro Alves, Graça Aranha e Álvares de Azevedo."
A razão da miopia de Silvio Romero em relação a Machado de Assis pode ser explicada, segundo Hilberto, pela abordagem particular do crítico em relação à literatura. "Ele foi o primeiro historiador da literatura", revela. "Inseriu a literatura dentro do universo amplo da cultura e a via como uma representação da vida, da história e da política, não como um fenômeno estético."
CRÍTICA CIENTIFICISTA
Nascido em Lagarto, no agreste sergipano, Romero estudou na Faculdade do Recife, em Pernambuco, entre 1868 e 1873. A sua concepção literária foi fortemente influenciada pelas correntes científicas do século 19, como o determinismo e o positivismo.
"Esse foi o grande problema", diz Hildeberto. "Embora fosse um crítico de faro, ele perdia de vista as singularidades e se pegava com elementos mais ornamentais. Terminou considerando Machado, por exemplo, muito mais europeu que brasileiro. Não soube compreender que, apesar do chame à europeia, Machado tinha uma percepção nacional que não está explícita mas que está situada em um texto famoso: 'Instinto da nacionalidade' (1873)."
Para além da crítica literária, a fortuna de Silvio Romero se estende para outras áreas, contribuindo mais tarde para o patrimônio de pensadores como Câmara Cascudo (1898-1986) e Gilberto Freyre (1900-1987). "Na literatura, a turma tem uma certa prevenção porque outros métodos já renovaram a historiografia literária, mas para a cultura oral ele é realmente muito importante.
Ele é realmente uma enciclopédia pela qual temos obrigatoriamente que passar", ressalta Hildeberto.
Anteontem, na capital Aracaju, a Academia Sergipana de Letras realizou uma sessão especial em homenagem ao acadêmico, que também foi advogado, político, jornalista, professor, poeta e imortal da Academia Brasileira de Letras, fundada ironicamente por Machado de Assis (1839-1908).
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