CULTURA
Mestre da sutileza
Pesquisador exigente e um cinéfilo apaixonado, Antoine de Baecque analisa em volume de 600 páginas obra de Eric Rohmer.
Publicado em 06/03/2014 às 6:00 | Atualizado em 11/07/2023 às 12:26
Acaba de sair na França um volumoso volume de Antoine de Baecque em colaboração com Noël Herpe sobre Eric Rohmer.
Tudo o que você queria saber sobre o mais francês dos autores em 600 páginas de análise e informação.
Baecque já colaborou com Serge Toubiana em biografias de François Truffaut e Jean-Luc Godard. É um pesquisador exigente e um cinéfilo apaixonado. No limite, tudo o que ele conta visa a ampliar e enriquecer o conhecimento dos autores que admira.
Você sabia que Rohmer - pseudônimo de Maurice Schérer -, com seus pequenos filmes autorais, era um diretor comercialmente muito sucedido? Seus 30 e poucos filmes fizeram cerca de 25 milhões de espectadores somente na França, uma média muito respeitável de 700 mil por filme.
Considerando-se o teor dos filmes - tratam de relações, são sempre muito dialogados -, Rohmer é a prova de que existe, sim, mercado para o cinema autoral. Pode ser um nicho, mas não é nem um pouco desprezível.
Você pode encomendar o livro na Amazon, à espera de que alguma editora nacional se interesse.
No Dicionário de Cinema, Jean Tulard observa que Rohmer, que foi crítico em Cahiers du Cinéma, não se impôs rapidamente, ao passar à direção. Ao contrário de François Truffaut e Jean-Luc Godard, ele teve de esperar mais por sua consagração, mas ela veio.
A obra de Rohmer desenvolveu-se por meio de ciclos e, aos Contos Morais, sucederam as Comédias e Provérbios e Os Contos das Estações. Uma quarta vertente de seu cinema não se vincula a nenhuma das outras três e adapta clássicos - A Marquesa d’O, Perceval le Gaullois, A Inglesa e o Duque. Os contos remetem à tradição literária do século 18, claro que devidamente atualizados, mas o modelo de Rohmer talvez fosse um pensador francês do século 17, La Bryère.
Em seus escritos, pode-se observar as pessoas do exterior, mas o interior em geral permanece um mistério. O próprio Rohmer foi sempre muito discreto e gostava de dizer que o cinema era só uma das coisas que o atraíam.
Num certo sentido, ele foi um jansenista que passou a vida tentando domar o libertino - que talvez quisesse ser. Rohmer morreu em 2010, aos 90 anos. Histórias de sedução e triângulos amorosos são o motor de seus relatos. Mas Nuit chez Maud e Le Genou de Claire são exemplares.
Minha Noite com Ela é interpretado por Françoise Fabian, a viúva de Jacques Becker, e por Jean-Louis Trintignant. Eles passam, a noite do título, mas não exatamente como você pensa. Maud/Françoise tenta seduzir Trintignant, mas ele resiste para permanecer fiel à noiva. Rohmer adorava as histórias de sedução como forma de afirmar a castidade, mas não raro reserva surpresas, como a descoberta de que, enquanto Trintignant resistia, a noiva...
Vejam - revejam o filme, que é uma preciosidade em rigoroso preto e branco. Minha Noite, até pelo título, é noturno. O Joelho é solar. Jean-Claude Brialy aceita ser cobaia para uma amiga que escreve um livro. Ele tem uma noiva à qual é fiel, e a amiga lhe propõe que se envolva com uma adolescente. O problema é que a garota tem uma irmã, e é a outra, com seu joelho, que bagunça a vida do herói. A arte de Rohmer era feita de detalhes, sutilezas. Era um mestre do não dito. Basta o joelho. Todo o erotismo é desencadeado daí. (Da agência Estado)
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