CULTURA
Guilherme Arantes: Paguei o preço de ser artista desinteressante'
Em entrevista cantor Guilherme Arantes fala sobre o seu novo trabalho 'Condição Humana Humana', que sai após um hiato de sete anos.
Publicado em 08/05/2013 às 6:00 | Atualizado em 13/04/2023 às 14:48
O ano era 1983 e Guilherme Arantes tinha acabado de voltar da WB Records para a Som Livre, gravadora que lançou o seu primeiro álbum solo, quase uma década antes. No estúdio, o diretor artístico Guto Graça Melo ouvia a batida eletrônica de ‘Casanova’, o sucesso de Ritchie que iria parar na abertura da novela Champagne, da Rede Globo, e provocava: “Isso aqui é o novo som. O seu já está ultrapassado”.
Estava carimbado o passaporte de Guilherme Arantes para o pop, um caminho incontornável que, segundo ele, custou caro para a sua carreira: “Por eu ter embarcado nessa coisa do teclado eletrônico, do computador, eu paguei o preço de me ver um artista desinteressante para o mercado”, desabafa o hoje amadurecido Guilherme Arantes, em entrevista ao JORNAL DA PARAÍBA.
“Passados 30 anos, aquilo que era ‘modernoso’ na voz do Ritchie, hoje já não é mais, e o meu som, que estava ultrapassado naquela época, aparece de novo como linha de frente”, completa o músico, que acaba de romper um hiato de sete anos sem gravar com o inédito Condição Humana (Coaxo de Sapo, R$ 24,90), disco que sai por um selo próprio e que pode ser ouvido, na íntegra, junto com a sua discografia completa, em streaming, no site oficial do cantor.
Paulistano radicado na Bahia há 13 anos, Guilherme Arantes escolheu a região paradisíaca de Camaçari (a 41 quilômetros de Salvador) para abrigar o sonho antigo de construir o seu primeiro estúdio. E foi no Coaxo de Sapo que surgiu Condição Humana, álbum em que Guilherme rejuvenesce, lembrando canções que escreveu aos 14 anos e inéditas que compartilha com um coro e uma banda formada por jovens como Marcelo Jeneci (acordeom em ‘Onde estava você’), que ele apadrinhou como o seu discípulo.
“O Jeneci tem um piano mais delicado que o meu e incorpora o acordeom, instrumento da formação dele, influenciada pela família pernambucana. Este componente nordestino eu não tenho, sou carente dele. Os nordestinos podem dizer que gostam muito de Guilherme Arantes, mas eu tenho minhas lacunas”, admite com a voz calma, incorporando quase que involuntariamente o estilo de vida de seus novos conterrâneos.
‘PROJETO SUDESTE’
“Acho que aprendi um novo jeito de viver”, garante, elogiando a Bahia. “Aqui tem uma luminosidade, um céu estrelado que, em São Paulo, eu não conseguia vislumbrar. Esse projeto do Sudeste me encheu”.
Se Guilherme Arantes não vai até São Paulo, São Paulo vai até Guilherme Arantes. Dos parceiros que aparecem nos créditos do álbum, quase todos são paulistanos. Há desde veteranos como o guitarrista Edgar Scandurra (cordas em ‘Onde estava você’) até os ‘novos paulistas’ Tiê, Thiago Petit e Tulipa Ruiz (vocais em duas faixas: ‘Onde estava você e ‘Aqui se leva’).
“Eu tenho filhos que estão na idade deles e que os conhecem”, explica Guilherme Arantes, que ligou pessoalmente para cada um dos convidados para chamá-los para o projeto. “Não teve uma curadoria para ajudar. Foi uma aventura que foi acertada e que tem um motivo espiritual. Não é um gancho de marketing”.
Entre músicas que escreveu ao longo do ano passado, mistura-se ‘Castelo do reino’, melodia que fez aos 14 anos e encontrou perdida em uma fita k7 no estúdio: “Eu era um menino e vivia escutando uns discos que meu pai tinha de cravo, na época em que fiz essa música”, conta. “Ela tinha um clima renascentista e era cantada em um tom bem mais acima, impossível de cantar hoje em dia. Uma voz quase ‘castrato’, uma coisa bem de moleque”.
Há também letras de verve política como ‘Moldura de quadro roubado’, que fala de um mundo que está na “imunda mão das quadrilhas de gravata”. “Eu acho que todos nós sentimos falta de letras mais ‘Zé Ramalho’, com mais pegada”, justifica o compositor, usando o nome do colega paraibano como sinônimo de engajamento.
“Pô, a gente tá num tempo muito asséptico, com tudo muito encaixadinho, muito respeitoso, com cada um no seu quadradinho. A gente sente falta do lado mais folk transgressor da música, de um lado mais árido”.
Depois de voltar as manchetes por criticar o “emburrecimento do Brasil”, Guilherme Arantes segue polêmico e aponta sua metralhadora verbal para Brasília: “O mundo está precisando urgentemente de pessoas que tiverem condições de lançar um olhar enviesado para a realidade. Estamos sob um risco muito grande. Um cara como Marco Feliciano tomando conta de minorias é um tapa na cara das liberdades e das conquistas dos anos 1970. Precisamos dos estranhos, dos loucos e dos transgressores”.
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