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COTIDIANO

'Quem matou Chico Mendes foi ele mesmo', diz Darly

Darly Alves da Silva cumpriu pena como mandante do crime. Filha de Chico Mendes virou advogada e atua na área social.

Publicado em 15/12/2008 às 9:08

Do G1

Há vinte anos, aos 44 de idade, Francisco Mendes morreu sem chance de socorro. Deixou mulher e dois filhos. A polícia prendeu o fazendeiro Darly Alves da Silva e o filho dele, Darcy. A Justiça acusou o pai de ser o mandante do crime e o filho de ser o executor. Ambos foram condenados a 19 anos de cadeia.

18 anos depois da sentença que condenou seus assassinos ser emitida pelo tribunal, a reportagem do "Fantástico" voltou a Xapuri e encontrou alguns dos personagens envolvidos nesta tragédia. O clima entre eles ainda é de muita tensão.

Darly e Darcy Alves da Silva, depois de fugirem e serem recapturados, cumpriram suas penas e voltaram para Xapuri. A reportagem encontrou Darly em uma fazenda, a 14 quilômetros da cidade.

Pego de surpresa, ele começou mandando desligar a câmera. Depois, botou pra fora o que pensa de Chico Mendes. "Eu fico insultado porque o homem não valia nada!", afirma Darly.

Darly continua negando o crime, diz-se injustiçado na terra e confiar na justiça dos céus. Ele culpa a vítima pela própria morte.

"O matador não é quem puxa o dedo, é quem provoca a morte. O Chico Mendes ninguém matou. Quem se matou foi ele mesmo, provocou a [própria] morte dele. Não porque ele mexeu só comigo, ele mexeu com todo mundo", diz.

História

Líder sindical, Chico Mendes brigou quase dez anos contra a derrubada da floresta para fazer pasto. O desmatamento acabava com as árvores. Mais do que isso, para os seringueiros, ele significava a expulsão do paraíso de onde tiravam o sustento: a seiva, o látex, matéria-prima da borracha natural.

Os seringueiros não eram donos da terra. Eles trabalhavam na mata com a autorização do fazendeiro, em troca de parte da produção. Quando os proprietários venderam a área para criadores de gado, vindos do Sul, começou a briga.

A turma de Chico Mendes inventou o "empate". Imagens com mais de 20 anos mostram como era: os seringueiros e suas famílias entravam na mata, confiscavam motosserras, faziam de tudo para impedir o trabalho do pessoal do fazendeiro.

O outro lado também estava decidido, e reagiu com violência. Ao longo do ano de 1985, vários sindicalistas foram assassinados em Xapuri. Em dezembro de 1988, Chico entrou na alça de mira dos matadores.

"Ele foi abrindo uma porta, pode ver que ainda há marcas de sangue. Ele foi atingido logo que saiu. Quando abriu a porta, se apoiou. Ainda tem marcas de sangue", conta Elenira Mendes, filha do seringueiro.

Legado

A menina que tinha quatro anos quando Darly mandou matar Chico Mendes seguiu a carreira que o pai sonhava: virou advogada. Elenira comanda a fundação que leva o nome do ambientalista. Ela preserva a memória de Chico fazendo trabalho social em Xapuri. Serena e diz não guarda rancor dos matadores do seu pai.

"Eu não tenho nenhum ressentimento contra Darly, contra sua família, porque eu sei que a justiça de Deus é maior do que a justiça do homem", avalia.

Xapuri, hoje com 15 mil habitantes, é a cidade de Chico Mendes. A placa na estrada anuncia isso. O museu da fundação relembra. O sindicato que Chico ajudou a criar foi esvaziado. O preço do látex anda baixo, e os produtores se afastaram. Mas a consciência de que é preciso preservar fez brotar outras oportunidades.

Uma beneficiadora de castanha surgiu para limpar e embalar, pelo menos, parte da produção de Xapuri. A moderna fábrica de preservativos feitos de látex natural já está em fase de testes e é aguardada com ansiedade. Vai absorver pelo menos 10% da borracha produzida no Acre.

Até o seringal Cachoeira, palco da luta do seringueiro, também já investiu em uma pousada para o ecoturismo. Chico Mendes morreu em Xapuri, e, lá mesmo, continua vivo.

"Eu tenho a sensação de que meu pai ainda vive. Ele vive no coração das pessoas que ainda sonham, que ainda lutam, das pessoas que ainda estão na floresta, que ainda lutam para sobreviver. Eu creio que meu pai ainda vive nos nossos corações", ressalta Elenira.

Imagem

Jornal da Paraíba

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