CULTURA
Na horta com Vanessa Barbara
Jornalista, ficcionista e tradutora Vanessa Barbara fala sobre seu novo livro, o romance 'Noites de Alface'.
Publicado em 18/02/2014 às 6:00 | Atualizado em 06/07/2023 às 12:32
Otto e Ada. Um casal simétrico até nos nomes: ambos são palíndromos, iguais de trás pra frente e de frente pra trás. Como a estrutura narrativa de Noites de Alface (Alfaguara, 168 páginas, R$ 34,90), romance que começa e termina com a morte de Ada, uma simpática velhinha com quem Otto esteve casado por 50 anos.
“Cinco décadas cozinhando juntos, montando enormes quebra-cabeças de castelos europeus e jogando pingue-pongue nos fins de semana”, descreve Vanessa Barbara no primeiro capítulo, conhecido pelo público na Granta em que a autora foi escolhida entre os 20 melhores jovens escritores brasileiros.
“Aprendi que elogios e críticas são equivalentes e que não devemos prestar atenção em nenhum dos dois”, afirma a jornalista, ficcionista e tradutora que já está acostumada tanto com o viva quanto com a vaia do meio literário. Quando estreou em livro, em 2008, sua reportagem sobre o maior terminal rodoviário da América Latina (o do Tietê, em São Paulo) conquistou, de cara, o Prêmio Jabuti. Vanessa tinha apenas 27 anos e acabava de se formar em jornalismo pela Cásper Líbero.
O Livro Amarelo do Terminal (Cosac Naify) revelava uma prosadora engenhosa, atenta às minúcias do cotidiano e extremamente bem-humorada. “As pessoas é que entenderam tudo errado”, contraria ela, que não reconhece tão facilmente esta característica em seus textos. À obra fruto de seu trabalho de conclusão de curso sucederam-se O Verão do Chibo (2008), primeiro experimento no romance, ao lado do colega de faculdade Emilio Fraia, e o ingresso como colaboradora em publicações de quilate como a revista Piauí, o jornal Folha de S. Paulo e o blog da Cia. das Letras.
Foi como cronista que ela exercitou a leveza, outra virtude de sua prosa. "Acho que a leveza é essencial para a literatura e é parte indissociável do meu jeito de olhar as coisas. O contrário disso pode dar em algo pernóstico, desnecessariamente pomposo, ruim, como esses escritores que se esforçam muito para escrever algo retumbante", opina.
PROFISSÃO PATÉTICA
Foi também na crônica que verificou o peso de algumas opiniões polêmicas. A mais recente envolveu um texto que publicou no New York Times, onde tornou-se colunista mensal.
No texto que repercutiu no último mês de dezembro, Vanessa narra as agruras de um escritor no Brasil. Intitulado Brazil's Most Pathetic Profession ("A profissão mais patética do Brasil", em tradução livre), o texto solta bravatas contra o mercado editorial do país homenageado na Feira de Frankfurt do ano passado.
"Não sei se tenho muita coisa a acrescentar do que aquilo que já disse no artigo", declara. "Algumas pessoas se ressentiram com o 'most pathetic' do título, que, aliás, não foi meu, mas do editor do NYT – e 'patético' ali é no sentido de ter pena, não de ser ridículo. O título original era 'Unless your name is Paulo Coelho' ('A menos que seu nome seja Paulo Coelho'), o que responderia também àquelas pessoas que disseram ganhar muito dinheiro vendendo livros. Há gêneros que vendem muito, sim, mas não era disso que se tratava o texto."
Outra polêmica, segundo ela, resultou em sua saída do blog da Cia. das Letras. No texto 'Não li e não gostei', Vanessa defendia "a liberdade de poder ignorar certos títulos e antipatizar de antemão com alguns autores". O argumento motivou um pequeno esclarecimento por parte da editora, publicado ao final da postagem, discordando do teor mas respeitando a liberdade da colunista em expressar sua opinião. "O texto também está bem claro, ainda que a Companhia das Letras tenha inserido aquele curioso asterisco no final – motivo pelo qual não escrevo mais para o blog", declara Vanessa. "Schopenhauer fala exatamente disso em A arte de escrever, usando inclusive a mesma lógica de raciocínio que usei no início da coluna."
Para a editora, Vanessa traduziu livros como O Grande Gatsby (2011), de F. Scott Fitzgerald (1896-1940), e pretende lançar, em breve, uma coletânea de crônicas urbanas. O trânsito por diversas editoras (Cosac Naify, Cia. das Letras e Alfaguara) deram autonomia à carreira: "Não vejo muita coisa de ruim nisso, é bom poder conhecer como trabalham as editoras e não ficar dependente de nenhuma delas em particular", reflete a roteirista de A Máquina de Goldberg (2012), romance gráfico ilustrado pelo traço do quadrinista Fido Nesti que saiu pelo selo QuadrinHos na Cia. A HQ vai ser adaptada futuramente para as telonas.
"Foi a produtora RT Features que encomendou o trabalho como parte de um projeto que uniu escritores e quadrinistas, comprando de antemão os direitos para o cinema e instaurando posteriormente uma parceria com a Quadrinhos na Cia.", explica a autora. "Eu me apaixonei pelo desenho de um velhinho feito pelo Fido, então topei. Foi bem legal mergulhar nesse mundo das máquinas de Goldberg e escrever pensando no resultado visual. Gostei de fazer, mas achei trabalhoso pra burro."
CHÁ DE ALFACE
O 'pra burro' é uma das expressões utilizadas por Ada em Noites de Alface. Segundo Vanessa Barbara, a história tem inspiração direta no dia-dia do bairro do Mandaqui (na zona norte de São Paulo), onde ela vive desde a infância. "Aqui as paredes são finas, dá pra acompanhar a vida de todo mundo ao redor", justifica. "Fiquei imaginando como seria a vida de um personagem que decide se isolar e vai conhecendo os vizinhos a partir dos ruídos, das pistas aleatórias que vai recebendo, como se ele tivesse que se envolver com os outros mesmo a contragosto. E aí ele começa a ficar intrigado."
Além de Ada e Otto, o viúvo "silencioso, resignado e diligente", o romance se constrói a partir da apresentação de personagens esdrúxulos como Nico, um farmacêutico aficcionado por bulas de remédio, e o Sr. Taniguchi, um veterano de guerra que sofre com o Mal de Alzheimer. "Contei com a ajuda de um médico meu, o dr. André Maame Cafagne, que me auxiliou na parte dos efeitos colaterais dos remédios e na doença do sr. Taniguchi", conta Vanessa. "Para o veterano de guerra, me inspirei num antigo vizinho meu (o sr. Nakamura) e em um livro chamado My thirty-year war, escrito pelo Hiroo Onoda, que, aliás, morreu no mês passado."
Embora admita não ser obcecada pelo trabalho de pesquisa, Vanessa afirma que a mania foi um 'cacoete' importado do jornalismo. "Às vezes meu lado jornalista fala mais alto e eu passo muito tempo atrás de coisas bobas, o que só ajuda na hora de escrever. Principalmente porque, em teoria, você não está enrolando. 'Não estou perdendo tempo neste site engraçadíssimo sobre a coloração dos xixis. É tudo pesquisa'", brinca, avisando aos leitores que resolverem seguir a receita do chá de alface descrita no livro: "Não o façam. Até agora, só tive dor de barriga nas minhas tentativas empíricas com o preparado."
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