CULTURA
A solidão de Vítor Araújo
Pianista pernambucano Vítor Araújo lança o disco 'A/B' trabalho em que equilibra sua faceta erudita com o rompante juvenil pelo rock.
Publicado em 06/10/2012 às 6:00
Projetado em 2008 como um garoto prodígio do piano, Vítor Araújo cresceu. Aos 22 anos, estreia, de fato, no estúdio com sua primeira incursão autoral. De lá, saiu com o ambicioso A/B (independente, R$ 15,00), disco em que equilibra sua faceta erudita com o rompante juvenil pelo rock.
Aos 18 anos, o pianista pernambucano impressionou meio-mundo com a habilidade descomunal de desconstruir peças de Villa-Lobos e Luiz Gonzaga, tanto quanto reconstruir o hit ‘Paranoid android’, do Radiohead.
Quatro anos, muitos livros, filmes e papos com músicos das mais diversas estirpes depois, Araújo volta a surpreender com um disco conceitual, uma viagem pela solidão, angústia e loucura, com obras que partem do piano clássico à explosão do rock-jazzístico.
Como o título entrega, A/B demarca o CD em duas partes (emulando o velho LP), com oito faixas, seis delas autorais. Essas duas vertentes são bem diferentes: na primeira, Vítor passeia pelo erudito através da bela e melancólica suíte em quatro partes ‘Solidão’. Na segunda, emprega uma montanha-russa de sentidos que vão do baião ao rock.
“Na minha cabeça, eu construí um personagem que sofre com a solidão num primeiro momento, mas em seguida não consegue lidar com isso, pira um pouco”, explica Vítor Araújo ao JORNAL DA PARAÍBA, por telefone. “Os dois lados, na verdade, partem de uma mesma origem, têm um mesmo nascedouro, mas seguem direções diametralmente opostas”.
O tal personagem nasceu um ano antes do disco. O conceito foi criado para uma série de concertos arrojados que o pernambucano apresentou em São Paulo, em setembro de 2011, denominada por ele de Angústia, com direção do cineasta Lírio Ferreira (O Baile Perfumado) e mixagem em 5.1 a cargo do DJ Buguinha Dub.
O laboratório para a construção dessa ideia foi nutrido com livros e cinema. “Fui em busca de obras em que eu encontrasse aquele personagem sempre solitário”, revela. “Então eu vi Morangos Silvestres, de Bergman; Beleza Americana, de Sam Mendes; Clube da Luta, de Fincher; , de Gus Van Sant; e também li Crime e Castigo, de Dostoiévski; O Processo, de Kafka; Angústia, de Graciliano Ramos...”, enumera, para arrematar: “Todas essas obras foram muito importantes para A/B”.
O “lado A” intimista, diz ele, surgiu naturalmente depois desse laboratório. “Depois do espetáculo eu tinha as quatro ‘Solidão’ e ‘Baião’, que era diferente das outras. Isso me deu a vontade de criar algo que fosse o oposto da introspecção do ‘lado A’. Aí eu criei o ‘lado B’ racionalmente, muito mais a partir de pensamentos do que do instinto que me fez compor o ‘lado A’”.
Dedilhados simples, cordas tristes e vocalizes sutis predominam no passeio melancólico conduzido por ‘Solidão’. Um piano frenético na abertura de ‘Baião’ anuncia que a viagem, a partir dali, mergulha em águas turbulentas. Magistralmente, a faixa conecta a musicalidade nordestina que há no alagoano Hermeto Pascoal e no carioca Egberto Gismonti (a composição é dedicada a ambos) ao clima etéreo de Sigur Rós criado pelo DJ Yuri Queiroga.
Aliás, as quatro faixas do “lado B” contam com um convidado e quase todas são dedicadas a alguém, revelando o leque de influências do pianista pernambucano. Assim como ‘Solidão nº 1’ e ‘Solidão nº 4’ são homenagens, respectivamente, aos pintores Modigliani e Renoir, e ‘Baião’ é para Egberto e Hermeto, ‘Jongo’ (Lorenzo Fernandes), que ele desconstrói com a ajuda de Naná Vasconcelos, dedica ao dramaturgo José Celso e ao Teatro Oficina.
Vitor comenta que a releitura para ‘Véloce’ (Claude Bolling), feita com a ajuda do Rivoltrill, grupo instrumental de Pernambuco, seguiu, à risca, a partitura. “A gente fez pela partitura, mas quem dá o molho aí é o (percussionista) Lucas dos Prazeres. Fez todo o diferencial”, diz.
O ápice do disco é o encontro mundo-se-acabando-debaixo-de-pedra entre o pianista e o power-trio Macaco Bong. Guitarras distorcidas, bateria surrada e baixo pulsante extraíram de Araújo um dedilhado mais gritante em uma faixa apocalíptica de quase 10 minutos. Batizada de ‘Pulp’, celebra uma tonelada de ídolos pop do pianista, do escritor Charles Bukowski aos roqueiros do Rage Against The Machine, passando pelo diretor Quentin Tarantino.
“Eu queria que esse personagem fosse enlouquecendo. Então eu chamei convidados para que fossem ‘enlouquecendo’ comigo, até chegar ao Macaco Bong dessa forma explosiva”, comenta. “Eu queria muito tomar uma pílula do esquecimento para ouvir esse disco pela primeira vez, do começo ao fim, e ter a surpresa do Macaco Bong”, completa.
Embalado por um projeto gráfico igualmente conceitual que explora dois lados de uma mesma moeda – assinado pelo artista pernambucano Raul Luna – e um trecho do texto ‘Humano, Demasiadamente Humano’, de Nietzsche que, segundo Vítor, resume sua ideia de solidão, o jovem pianista consolida a promessa de quatro anos atrás: é um dos grandes renovadores da música instrumental do Nordeste.
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