CULTURA
Rock Brasília traça retrato da juventude
Vladimir Carvalho acrescenta ao rock uma maturidade política inédita para um tipo de abordagem que tem a estética MTV como referência.
Publicado em 25/10/2011 às 6:30
Paraibano de Itabaiana, Vladimir Carvalho tornou-se um expoente do Cinema Novo e, há décadas, escolheu Brasília como lar. Mais uma vez, a Capital Federal é tema de um documentário seu. Rock Brasília – Era de Ouro (Brasil, 2011), em cartaz em três cinemas em João Pessoa, coleciona histórias e elenca fatos que fizeram dos grupos Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude, três das bandas mais importantes do rock brasileiro dos anos 1980.
Como atesta o jornalista Ricardo Alexandre no fundamental Dias de Luta (DBA, 2002), o punk-rock foi a primeira manifestação musical a repercutir fora do Distrito Federal, depois da construção de Brasília (1960). Na proa desse movimento estava o Aborto Elétrico, cujos integrantes, mais tarde, formariam a Legião e o Capital, e é o ponto de partida do filme.
Como era de se esperar, Vladimir vai além da biografia dos grupos e faz de seu filme um belo um recorte de como se comportava juventude brasileira em um período de transição.
Com o olhar maduro de um senhor de 75 anos e a militância comunista latente de sua trajetória, Carvalho acrescenta ao rock uma maturidade política inédita para um tipo de abordagem que tem a estética MTV como referência.
O olhar e a sensibilidade de Vladimir envereda pela chamada ‘Turma da Colina’ e pela formação de jovens como Renato Russo (Legião), os irmãos Flávio e Fê Lemos (Capital), André Mueller e Philip Seabra (ambos da Plebe), resgata o contexto de repressão na Brasília dos anos 80 e esmiúça temas delicados e polêmicos, como drogas, homossexualismo e o preço do sucesso (incluindo farpas ao Programa do Chacrinha).
A espinha dorsal do documentário são os depoimentos gravados em 2010, enriquecidos com imagens de arquivo inéditas, que Vladimir Carvalho guardou nos arquivos da UnB por anos. São imagens que mostram o polêmico show da Legião Urbana no Mané Garrincha (1988) e Plebe Rude no comecinho da carreira. E embora arrisque até uma sequência em animação, Rock Brasília é tradicional em sua forma e conteúdo: didático, cronológico e sem piruetas de edição.
Ao fim, tem-se um grande filme ‘total flex’: serve tanto para o fã do rock brasileiro, quanto para quem até hoje viveu em Marte. O fã da Legião, Capital, Plebe Rude e, em especial, Renato Russo (1960-1996), tem no filme um banquete de histórias deliciosas, contadas por seus protagonistas e figurantes importantes (o longa traz um número impressionante de entrevistados).
Não há grandes números musicais, o que, por um lado, é uma pena. Mas a música, como escreveu o crítico Thales de Menezes na Folha de SP, está nos discos. Sobram, então, as histórias, que são costuradas com uma habilidade extraordinária, sobre como um gênero à margem dos costumes, das instituições governamentais e da própria música conseguiu se sobressair no Brasil dos anos 1980. E para isso, você não precisa saber a primeira estrofe de ‘Faroeste caboclo’.
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