Paraibanos resgatados do trabalho escravo relatam jornada exaustiva

Jovens foram resgatados em novembro de 2020, durante uma operação da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE/SIT), que convidou o Ministério Público do Trabalho (MPT).

Foto: M.F/Arquivo pessoal

Quando receberam propostas de trabalho com carteira assinada e bom salário, os jovens M.F, na época com 17 anos, e I.A.F, de 25 anos, aceitaram de primeira. A esperança de uma vida melhor fez os paraibanos saírem respectivamente das cidades de Tavares e Juru para Santa Catarina. No trabalho, uma plantação de cebolas, a realidade foi diferente do prometido.

Os paraibanos foram resgatados do trabalho escravo em novembro de 2020, durante uma operação da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE/SIT), que convidou o Ministério Público do Trabalho (MPT). Também estiveram presentes no resgate a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Defensoria Pública da União (DPU). Eles passaram quinze dias trabalhando sem alojamento e equipamentos de proteção individual adequados. Oito meses depois, os jovens relataram como era a rotina no local.

O trabalho começava cedo, às 6h e só terminava às 18h. Segundo M.F, a alimentação e equipamentos necessários para o trabalho, como botas e luvas, eram descontados do pagamento. Por isso, muitas vezes, o jovem chegou a trabalhar descalço.

“Assim, a alimentação era tudo descontado. Luva, bota, essas coisas se nós comprasse, tinha que pedir a eles e era descontado do nosso dinheiro. Não tinha dinheiro para comprar bota, luva, essas coisas. Quando era de noite, os pés estavam cortados”, relatou.

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Foto: M.F/Arquivo pessoal

Além dos descontos, I.A.F relatou que o patrão chegou até a fugir com os trabalhadores do local, para evitar a polícia. Ele também conta que precisava trabalhar até aos domingos.

“Ele chegou até a fugir com nós para a polícia não pegar. Quando chegava o domingo tinha que trabalhar porque se ficasse em casa tinha que pagar R$ 50 de comissão para eles. Aí nós íamos para a roça de todo jeito”.

Apesar de todo o trauma, Otávio hoje está em São Paulo, trabalhando com carteira assinada, mas pretende voltar para a Paraíba e tem o sonho de ser bombeiro. Já Airton voltou para casa, onde trabalha como pescador.

Paraibanos vítimas de trabalho escravo

De acordo com o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico e Desaparecimento de Pessoas da Paraíba, vinculado à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano, de 2019 até o atual momento, são 45 vítimas no estado, todas do Sertão. No Brasil, somente no ano de 2019, foram registrados mais de mil casos.

O último caso de paraibanos resgatados do trabalho escravo aconteceu no Ceará, no início de julho. Foram onze trabalhadores encontrados em condições análogas à escravidão, todos da cidade de São Bento.

Conforme informações do procurador do Trabalho na Paraíba Paulo Germano, “os números demonstram que a Paraíba, tal qual os outros estados do Nordeste, tem a vocação de exportadora de mão-de-obra escrava para as frentes de trabalho nas regiões Norte, Centro-oeste e Sudeste (367 de 2003 a 2018). Todavia, no nosso Estado, embora de forma pontual, há a exploração de trabalho análogo à escravidão, a exemplo dos flagrantes na atividade mineratoria, no Cariri Paraibano (Fontes Smartlab e Radar SIT)”.

Conforme Vanessa Lima, coordenadora do Núcleo e do Comitê Estadual de Enfrentamento ao Tráfico e Desaparecimento de Pessoas da Paraíba e da Comissão Estadual de Erradicação ao Trabalho Escravo da Paraíba (SEDH), pode haver uma subnotificação de casos.

“Sabemos que esses números são subnotificados, pois teríamos que ter mais fiscalização. Ademais, a população, muitas vezes, tem medo de denunciar”.

É possível denunciar situações de trabalho análogas à escravidão e tráfico de pessoas, de forma anônima, inclusive, pelo Disque 100 – Disque Direitos Humanos. Na Paraíba, há também o Disque 123, do governo do Estado.