Na quarta geração de produtores de couro da família, José Carlos Castro, de 69 anos, revela qual é o segredo do couro de Cabaceiras, no Cariri da Paraíba: o tanino - um produto vegetal retirado de árvores como o angico e a acácia-negra. Ele ajuda a eliminar o cheiro forte da pele e agrega qualidade ao artesanato.
Uma parte da produção de peles em Cabaceiras é realizada no Curtume Coletivo Miguel de Sousa Meira, da cooperativa Arteza, onde são produzidas cerca de 25 mil peças por mês, vendidas tanto para associados da cooperativa quanto para compradores de outros estados do país.
Segundo José Carlos, o tanino custa caro para a produção local, mas é o diferencial deles. Antes, o couro tinha um mau cheiro, e o animal acabava sendo culpado, quando, na verdade, o problema era a técnica utilizada.
“As pessoas diziam: ‘tão bonitinho, mas isso fede tanto, isso é de bode’. Porque as pessoas passavam para frente que aquele cheiro era do bode. E não era. Era o sistema que era feito, que levava muitos restos de produto e que existia um choque. E esse choque dava aquele fedor”, relembra José Carlos.

José Carlos é experiente e cresceu em uma família que sempre trabalhou com couro. Porém, aos 32 anos, casado e com dois filhos, teve medo, e pensou: “e se isso tudo acabar? Pra onde a gente vai?”. A resposta é que a tradição familiar não acabou, mas foi fortalecida com o tempo e o estudo.
Nesta segunda reportagem da série "Rota do Couro", o Jornal da Paraíba explica como um produto vegetal melhorou a técnica de produção de couro em Cabaceiras - e qual o papel de José Carlos em tudo isso.
O curtume contra o individualismo
José Carlos conta que as máquinas de curtimento de couro chegaram ao município na década de 80, mas não havia organização, e elas ficavam paradas no pequeno curtume. Para dar uso aos equipamentos, ele foi escolhido para fazer um curso na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) sobre o curtimento do material.
Ele aprendeu uma nova técnica para curtir o couro, e isso chamou a atenção dos clientes, porque a pele utilizada no artesanato não tinha cheiro, ao contrário de outras peças, que segundo ele, fediam.
José Carlos também queria trabalhar em parceria com outros curtidores de couro, mas lembra que não era fácil. “As pessoas não queriam se organizar. E, com o individualismo, a coisa não andava”, lembra.

O cenário mudou. Ele conta que não só os clientes ficaram interessados na nova técnica, mas também outros curtidores. Foi assim que nasceu a cooperativa Arteza, em 1998, que inicialmente unia curtidores de couro, sendo 28 famílias envolvidas. Com o tempo, outra vertente da cooperativa surgiu: o artesanato. Hoje, 19 sócios trabalham no curtimento do couro.
“Quando eles me procuraram, eu disse: ‘Venha para cá’. Então, eu comecei a capacitá-los e, num período de 88 a 98, a gente fez todo um trabalho de base. Existiam 15 pequenos curtumes. Nove já tinham fechado quando eu comecei esse trabalho”, afirmou José Carlos.
A pele vira produto nobre

O setor de lavagem de peles do curtume coletivo Miguel de Sousa Meira tem um cheiro forte e rançoso. Ainda assim, José Carlos garante que a situação melhorou muito: “Se você estivesse aqui há 40 anos, não suportaria o cheiro. Fedia mesmo”.
Ele conta que, antigamente, o couro era produzido de forma totalmente manual. Não tinha o toque liso de hoje, era apenas curtido em tanques e depois estendido para secar. O grande diferencial hoje, segundo ele, é o uso do tanino, que elimina o mau cheiro.
José Carlos explica que o couro chega ao curtume salgado, o que ajuda a conservar a pele. A primeira etapa é a lavagem para retirar o sal e a sujeira, feita em uma máquina grande chamada fulão. Depois, o pelo é removido com cal e um produto depilante específico.
Só então começa o curtimento de fato: são retirados a gordura e os resíduos de carne. Em seguida, o couro volta ao fulão para remoção da cal, etapa necessária antes de receber o tanino. Na etapa final, a pele é seca, lixada, medida e então está pronta para ser entregue ao artesão.
“É a transformação do estado de apodrecimento para o estado nobre. Esse couro com três dias já apodrece. E depois que ele recebe o tanino, ele se torna nobre para toda a vida”, explica José Carlos.
José Carlos também explica que os concorrentes do curtume usam o crômio, um produto químico mais barato. Mas que, segundo ele, não tem a mesma qualidade do tanino.
Quando a cooperativa Arteza foi fundada, José Carlos conta que todos sabiam o que deveria ser feito: um pacto para nunca abandonar as tradições e qualidade do produto.
“Quando fundamos a cooperativa, os parceiros se reuniram e fizeram uma cobrança para nós: nunca usar o cromo aqui e também nunca acabar com a tradição da região. Senão, perderíamos a parceria", afirmou José Carlos.
25 mil peças produzidas no curtume

Com o tempo, o curtume ficou pequeno para tanta máquina. Um novo prédio foi construído e entregue em 2004. Foi assim também que a produção aumentou.
No início, apenas 500 peles eram produzidas por mês no curtume, com a expectativa de chegar a produção de 2 mil peças em 10 anos. A década passou e eles superaram a meta, e produziram 8 mil peles.
Hoje, o número mais que dobrou. São 25 mil peças produzidas por mês e comercializadas para toda a região de Cabaceiras, que ainda concentra 50% da produção. Mas também são enviadas para os estados do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia, Alagoas e Sergipe.
“E se fizéssemos 40 ou 50 mil peças vendíamos. Porque nós temos um diferencial”, afirmou José Carlos.
O Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil estima que o país é o terceiro maior produtor do mundo, produzindo 40 milhões de peles bovinas e 5 milhões de peles de outros animais anualmente. Em todo o país, existem 214 curtumes.
Ainda segundo a instituição, mais de 32 mil pessoas estão empregadas na indústria do couro no Brasil.
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