Água com agrotóxicos: MP investiga qualidade da água em João Pessoa

 Estudo aponta existência de metais pesados na água, que podem causar problemas graves à saúde.

O primeiro sinal de alerta surgiu com a mortandade dos peixes. Agora, a preocupação gira em torno da suspeita de que a água que chega às casas de 1 milhão de paraibanos na Grande João Pessoa esteja contaminada por agrotóxicos e metais pesados. Ao mesmo tempo que o Estado enfrenta uma crise de abastecimento e tem 30 cidades em racionamento de água, a poluição no rio Gramame atinge níveis extremos e vira alvo do Ministério Público Federal da Paraíba (MPF-PB).

Segundo o professor Tarcísio Cordeiro, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a poluição na Bacia do Gramame foi tanta, ao longo das décadas, que hoje já é possível afirmar que a água que chega às torneiras das residências da Grande João Pessoa tem resquícios de quatro substâncias agrotóxicas. A Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa) rebateu a declaração e garantiu a qualidade da água.

As consequências dos agrotóxicos para a saúde humana, conforme explicou Cordeiro, incluem alergias, infertilidade, má formação de fetos, imunodeficiências, déficit de atenção, dificuldade de aprendizagem nas crianças e até câncer. Segundo o pesquisador, esses problemas podem ser associados à exposição prolongada a pequenas doses de agrotóxicos, que chegariam às torneiras. O resultado do estudo foi publicado em livro assinado pelo pesquisador. “Estamos formando uma sociedade doente, infelizmente, essa é a realidade”, declarou Cordeiro.

Um outro estudo, realizado em 2008, também na UFPB, apontou a presença de metais pesados na Bacia do Gramame. Embora sete anos já tenham se passado, o resultado serve de parâmetro para um inquérito civil público do Ministério Público Federal da Paraíba (MPF-PB), que tem à frente o procurador José Godoy Bezerra. Segundo ele, ainda não é possível afirmar que a água que chega às casas na Grande João Pessoa está contaminada com metais pesados, apesar das suspeitas.
Nas próximas semanas, um novo estudo será iniciado e vai incluir a análise da água que sai das torneiras das casas a fim de saber realmente se há ou não metais pesados na água que vem do Gramame. Dentre as substâncias encontradas – em níveis elevados – na bacia estão mercúrio, chumbo, níquel, arsênio, ferro e alumínio. “A dúvida é se a água que chega às casas contém esses metais e quais as consequências para a saúde do homem”, afirmou a professora Ilda Toscano, responsável pela análise.

População e lixões têm culpa

Se fosse uma competição, ficaria difícil definir quem é a maior fonte poluidora do rio Gramame, embora haja uma certa tendência a serem as indústrias. Mas uma coisa é certa: elas não são as únicas. A poluição no Gramame também decorre de outros fatores, como a população (em menor escala) e os lixões, que deveriam ter sido erradicados, mas persistem em alguns municípios por onde passa o rio. É o caso de Pedras de Fogo e Cruz do Espírito Santo, que inclusive já foram autuados por isso, conforme informou o chefe da divisão técnica ambiental do Ibama, Alexandre Parente. 

Segundo ele, a autuação se deu em consequência do lançamento de resíduos sólidos de forma indevida. Ou seja, a poluição não ocorreu de forma direta, mas indireta. “Isso pode sim prejudicar a qualidade da água, por isso autuamos e convocamos os representantes para corrigir o erro”, declarou. De acordo com Parente, a situação desses municípios não tem relação direta com a presença de metais pesados no rio Gramame. A reportagem ligou para as respectivas prefeituras citadas, mas não conseguiu contato com os representantes. A Federação das Indústrias do Estado da Paraíba (Fiep) foi procurada, mas não enviou resposta sobre o assunto. 

O procurador José Godoy Bezerra, do MPF-PB, admitiu que os lixões podem contribuir para a poluição no rio Gramame, por isso, os prefeitos devem ser convocados para prestar esclarecimentos. Nada impede, segundo o procurador, que o órgão venha a ajuizar uma ação civil pública contra os gestores, caso haja necessidade. “Nossa intenção é montar a frente de trabalho para tentar barrar a poluição no rio, tão importante para todos nós”, frisou.

Tratamento feito pela Cagepa é  ineficiente 

“Às vezes a água do Gramame está colorida, parece um arco-íris”. A declaração é do aposentado Hermes Fonseca, morador de Gramame que sobreviveu da pesca por muitos anos, mas abandonou a atividade em consequência da poluição do rio. O relato dele faz referência à presença de corantes jogados diretamente no Gramame por indústrias têxteis, as mesmas que já foram chamadas pelo Ministério Público Estadual da Paraíba (MPPB) para assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta que tenta minimizar os danos ao meio ambiente.

O promotor de Justiça José Farias disse que a poluição atingiu níveis extremos, com destaque para os metais pesados. Ele afirmou que há indícios fortes de que o tratamento da Cagepa não é eficiente para eliminar todo tipo de contaminação da água.

De acordo com Farias, a análise será feita em alguns bairros, nas entradas das casas e nos pontos de distribuição da Cagepa. “Por enquanto a gente sabe que há grande chance da água que recebemos em casa estar contaminada, mas não sabemos o tipo e a dimensão disso”, declarou. Segundo o promotor, só após a conclusão do estudo – que deverá ser finalizado em dois anos – é que será possível afirmar se a água está ou não contaminada com metais pesados. 

Ele destacou ainda que as indústrias não são as únicas fontes poluidoras do rio e denuncia que as deficiências do esgotamento sanitário dos municípios de João Pessoa, Conde, Alhandra, Pitimbu, Caaporã e Pedras de Fogo podem contribuir para a morte do Gramame. “Esses municípios estão lançando uma carga de afluente sanitário sem tratamento que está aumentando a carga biológica do curso do rio. Isso representa uma poluição gravíssima”, explicou.