Calor em comunidades dificulta isolamento, aponta pesquisa da UFPB

Sem condições de custear refrigeração, moradores ficam menos em casa.

Calor em comunidades dificulta isolamento, aponta pesquisa da UFPBUma pesquisa da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) apontou que as habitações populares possuem estruturas que dificultam o isolamento social  e sustentabilidade neste período pandemia em decorrência do novo coronavírus (Covid-19). A constatação é das pesquisadoras do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Solange Leder e Gianna Farias.

A pesquisa, intitulada “Justiça energética na habitação para reabilitação de favelas” (Energy Justice in Slum Rehabilitation Housing, no título original), foi publicada na Revista Sustainability. O estudo foi realizado em parceria com pesquisadores da Universidade de Cambridge (Inglaterra) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). As análises se deram a partir de conjuntos de habitação popular em Mumbai e João Pessoa. Foram analisadas as comunidades de Gadanho e Timbó no Brasil e do Natvar Parekh Compound na Índia.

Foi constatado pelas pesquisadoras da UFPB que, no Brasil, a proximidade com a rua possibilita maior socialização e “sair para a rua” é uma estratégia apontada pela população que mora em conjuntos habitacionais populares como solução para o desconforto térmico. A realidade na Índia mostrou que a capacidade de socialização se torna reduzida no ambiente de arranha-céus e força os ocupantes a permanecerem confinados em suas habitações.

No entanto, a pesquisa revelou que, em ambos os casos, a oferta de espaços com uso específico de recreação e convívio social é praticamente inexistente. “A ausência de possibilidades de lazer e cultura força as famílias a encontrarem soluções para acomodar essa necessidade no interior da edificação”, pontua a professora Solange.

Consumo de energia

De acordo com a professora da UFPB, Solange Leder, estudos afirmam que “um ambiente construído com baixa qualidade empurra os ocupantes para a pobreza, tendo o aumento das contas de energia doméstica como uma das consequências”. Para ela, os programas governamentais de habitações populares são concebidos para erradicar o déficit habitacional e deixam de lado o impacto das construções no bem-estar geral dos moradores.

Na pesquisa, constatou-se que o ambiente construído pode acentuar ou diminuir o consumo de energia elétrica para o fornecimento de conforto, limpeza e conveniência. Essas necessidades poderiam ser preenchidas com a disponibilidade de espaços abertos e de recreação, que propiciariam diminuição do consumo de energia por não ter o lazer dependente do uso de equipamentos eletrônicos.

Segundo a pesquisadora da UFPB, Gianna Farias, caso a temperatura dentro de uma casa aumente, os ocupantes acabam utilizando equipamentos elétricos para reduzir inconvenientes ao bem-estar e à saúde. “O uso constante desses equipamentos aumenta o consumo de energia. Esse aumento de consumo energético é fator crítico no orçamento familiar e restringe gastos com outras demandas fundamentais, especialmente nos casos de baixa renda”, atesta.

A professora Solange Leder destaca que “o impacto dessas habitações no bem-estar geral dos ocupantes deve ser também prioridade, uma habitação não pode ser apenas um número”. Consoante os pensamentos da pesquisadora, ações governamentais pontuais – como a estratégia atual de descontos progressivos nas faturas de energia – não são suficientes para resolver os problemas. “É preciso oferecer alternativas ao elevado consumo de energia, substituir este uso constante por outras atividades”, evidencia Leder.

O artigo de Leder e Farias define que “uma justiça energética está associada ao acesso universal à energia, tanto em relação ao valor cobrado quanto no padrão de uso – que há de ser compatível com o nível socioeconômico da família”. Para elas, qualquer habitação deve atender às necessidades dos moradores e considerar os espaços vinculados à cidade – mobilidade e acesso aos equipamentos urbanos, ao trabalho, à educação, à cultura e ao lazer.

Um marco na história da Habitação de Interesse Social no Brasil é a Lei 11.888/2008, que assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social. “Essa lei abriu inúmeras possibilidades de ação. Há distintos exemplos de ações positivas a partir dela. Lamentavelmente no Brasil, neste momento, as políticas sociais deixaram de ser prioridade. Mas justiça social é garantir direitos básicos a todos”, endossa Leder.

Abandono da moradia

No Brasil, a Norma de Desempenho de Edificações, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), estabelece exigências de conforto e segurança em imóveis residenciais. Dividida em seis partes (requisitos gerais, estrutura, pisos, cobertura, vedação e hidrossanitários), a norma apresenta critérios de qualidade e procedimentos de medição.

O Programa Nacional de Eficiência Enérgica nas Edificações instituiu, em 2014, o “Selo Procel de Edificações” para identificar as construções que apresentam as melhores classificações de eficiência energética. Nos edifícios habitacionais, são avaliados aspectos como a envoltória e o sistema de aquecimento de água. Os selos são emitidos pela Eletrobras – Centrais Elétricas Brasileiras – após uma avaliação realizada por um organismo de inspeção atestado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).

Essas normativas, em conformidade com as pesquisadoras da UFPB, deveriam proporcionar condições adequadas nos conjuntos habitacionais brasileiros, mas a realidade tem sido outra. “As famílias em situação de precariedade habitacional são realocadas para conjuntos habitacionais construídos em parceria com prefeituras e programas governamentais. O que se observa é que, muitas vezes, elas abandonam a moradia social, retornando à situação de precariedade habitacional”, lamenta Solange.

A professora da UFPB acredita que “é importante investigar, entre outros fatores, o consumo energético como causa de insolvência. Ou seja, contas a pagar superiores a um orçamento familiar limitado”. Esse tipo de constatação pode, pelos argumentos de Leder, “concorrer para o fenômeno de abandono da moradia e a volta à situação de moradia precária”.

Gianna Farias salienta que o ponto principal da pesquisa “envolve a vida e a qualidade de vida como direitos”. A pesquisadora conta que “mais do que nunca, nestes tempos de pandemia de Covid-19, a questão da salubridade da habitação se apresenta como central”.