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VIDA URBANA

Homofobia ainda não é crime

Falta de uma legislação específica que tipifique a homofobia como crime, dificulta punir, com rigor, quem o comete.

Publicado em 25/05/2014 às 14:00 | Atualizado em 29/01/2024 às 15:16

O sanitarista Roberto Maia e o pedagogo David Caju estão juntos há 4 anos. Um mês depois do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em maio de 2013, eles oficializaram a união perante a lei. O casal cuida de um menino de 1 ano e 8 meses e costuma viajar durante as férias. A última foi para a Europa.

Apesar da vida confortável que levam e do casamento registrado em cartório, Roberto e David não ousam andar de mãos dadas nas ruas de João Pessoa. Não por vergonha, mas por medo. A falta de uma legislação específica que tipifique a homofobia como crime, dificulta punir, com rigor, quem o comete.

O casal tem medo dos olhares contrariados, dos xingamentos e de uma possível agressão física. As piadas também incomodam. Não pegam na mão, nem beijam em público, como fazem os casais heterossexuais. Às vezes, quando vão a um restaurante ou shopping, têm necessidade de demonstrar afeto, mas quando um pensa em beijar o outro, o sentimento é contido. O máximo que eles se 'atrevem' é dar um beijo rápido na sala escura do cinema. “As pessoas olham diferente, infelizmente essa é a verdade”, frisou.

A relação entre Roberto e David sempre foi bem aceita pelas respectivas famílias. Quando casaram, fizeram uma festa e contaram com a presença dos pais, irmãos e demais parentes. As mães levaram as alianças para os filhos e festejaram com eles a noite inteira pela decisão que tomaram. “Isso para nós tem um valor muito grande. Quando a família aceita, parece que não precisamos nos explicar fora de casa”, afirmou.

Mas nas ruas, a situação é diferente. O preconceito ainda impede Roberto e David de viver a vida como eles realmente desejam: livres dos paradigmas impostos pela sociedade, que defende o modelo tradicional de família composta pelo pai, mãe e filhos. O que acontece com eles se estende a outros casais homoafetivos, que sofrem, mas estão dispostos a lutar pela igualdade de direitos estampada no art. 5º da Constituição Federal.

Para o sanitarista, o preconceito é cruel. “As pessoas ainda acham que se eu beijar meu parceiro na rua é um desrespeito. Isso é um pensamento muito atrasado”, lamentou. Roberto e David passaram a vida escutando – na escola, no trabalho e na vizinhança – que a homossexualidade é “coisa do demônio”. Mas resolveram se assumir publicamente. Tiveram a coragem que muitos ainda não têm.

O primeiro namorado de Roberto foi aos 19 anos, no início da década de 90, quando ele entrou na faculdade. Antes disso namorou algumas meninas, “para atender aos apelos da sociedade”. Roberto levou o namorado para morar em casa e dividir o mesmo espaço com o pai e os irmãos. “Minha história é atípica. A regra é a família não aceitar que o filho tenha essa orientação sexual”, comentou. “Ainda temos muito o que avançar”, opinou.

CÓDIGO PENAL SE TORNA O NORTE

Na delegacia especializada contra crimes homofóbicos, localizada no Centro da capital, o delegado-titular Marcelo Falcone cumpre o papel de polícia e também de psicólogo.

Ouve, orienta, esclarece e abre inquérito quando enxerga crime em alguma situação relatada pela pessoa que considera ter tido os direitos violados. Uma linha muito tênue, segundo o delegado, separa a liberdade de pensamento da homofobia, por isso é sempre uma questão delicada. Este ano o delegado estima que foram abertos cerca de 40 processos, entre inquéritos propriamente dito e Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO).

Segundo ele, como não há crime de homofobia na legislação brasileira, o Código Penal se torna o principal norte para classificar os casos que chegam à delegacia. “Temos que avançar muito em relação à legislação, é preciso tipificar a homofobia no ordenamento jurídico brasileiro, a exemplo do que foi feito com o racismo, com a Lei Maria da Penha, etc”, declarou Falcone. É errado dizer, por exemplo, que fulano cometeu crime de injúria por homofobia. Isso não existe. Fulano, na verdade, cometeu o crime de injúria.

A maioria dos casos que chega ao conhecimento da delegacia se configura crime de injúria, difamação e ameaça, segundo afirmou o delegado da especializada. Alguns casos de estupro e de assédio sexual também já foram registrados na delegacia. “A homofobia está pulverizada em praticamente todos os artigos do Código Penal, mas não está tipificada e isso nos impede de aplicar a lei com eficácia”, destacou.

Dizer que não acha correto a união entre dois homens e duas mulheres pode ter consequências mais sérias dependendo do contexto no qual a frase foi dita. “Se nesse discurso tiver presente o ódio e a intolerância, não há dúvidas que temos a homofobia, mas como não há esse crime, vamos para a injúria ou difamação”, explicou Falcone. Outro exemplo clássico é dizer que acha um desrespeito um casal homoafetivo trocar beijos em locais públicos. De acordo com o delegado, o que não pode é ultrapassar os limites do bom senso, mas isso vale para todos, independentemente da orientação sexual.

A procura por esclarecimento é constante na delegacia. A maioria não quer se expor na Justiça e por isso pede ao delegado que intime a outra parte para uma advertência ou mesmo uma conciliação. “Há muitos casos envolvendo vizinhos e a própria família, que quando descobriu a orientação sexual do filho agrediu moral e fisicamente. Temos muito essa situação”, revelou. Os procedimentos instaurados por Falcone, quase todos de menor potencial ofensivo, vão para os juizados especiais criminais. Os casos de assassinatos são tratados na Delegacia de Homicídios.

SUBNOTIFICAÇÃO É REALIDADE

Os 40 inquéritos e TCOs registrados na delegacia especializada não refletem nem de longe a realidade vivenciada nas ruas, segundo avaliação do delegado Marcelo Falcone. Ele disse que enxerga a subnotificação dos casos, seja por medo de se expor ou por desconhecimento.

Ainda que a homofobia esteja presente em todas as classes sociais e em todos os cantos do país, a Paraíba conta com apenas a delegacia especializada de João Pessoa.

Vale lembrar que o funcionamento da delegacia é horário comercial, portanto, fecha aos finais de semana, feriados e durante a noite. Segundo Falcone, a ocorrência pode ser registrada em qualquer delegacia, não há nenhuma obrigatoriedade em procurar a especializada.

A Paraíba tem leis estaduais que determinam o uso do nome social, a separação de celas no sistema prisional e outra que pune com multa e até cassação o estabelecimento que constranger alguém por conta de sua orientação sexual. No entanto, boa parte do público LGBT desconhece a existência delas. “Não podemos admitir que uma pessoa sofra preconceito ou mesmo seja vítima de agressão física em razão de sua orientação sexual. Também não podemos minimizar esse tipo de crime e dizer que gay tem que apanhar”, explicou.

Ele alertou a população sobre a diferença de ter uma opinião e constranger pessoas com orientação sexual diferente da sua.

“Se a pessoa se sente ofendida e vem nos procurar, vamos tomar providências”, afirmou. No ambiente de trabalho, segundo Falcone, as piadas sobre o assunto podem render, inclusive, indenização cível.

POLÊMICA EM COMERCIAL

O presidente do Movimento do Espírito Lilás (MEL), Renan Palmeira, disse que considera uma contradição o fato da legislação brasileira não ter a criminalização da homofobia. “Tivemos alguns avanços, não podemos negar, mas ainda há muito a ser conquistado”, afirmou. Na semana passada, o governo do Estado oficializou a criação do Conselho Estadual dos Direitos das Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais da Paraíba (CEDLGBT).

Segundo Palmeira, a onda conservadora ainda é muito forte no país e pode ser observada nos discursos onde o ódio e o preconceito estão presentes.

Na tentativa de quebrar esse pensamento, o MEL produziu um comercial de TV, o qual mostra dois homens vivendo feliz em sua casa. Ao final, um chega com uma bandeja de café para o parceiro e eles se beijam. O comercial tem despertado discursos contrários ao relacionamento homoafetivo, mas também ganhou adeptos.

“A ideia foi fazer um comercial que respondesse à onda do ódio. A melhor estratégia para combater o ódio é o amor, por isso fizemos o comercial que foi muito bem recebido por parte da população”, afirmou.

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Jornal da Paraíba

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