Interna fez o Enem e sonha com graduação

As adolescentes da Casa Educativa estudam no EJA e participam de oficinas lúdicas.

Ainda falta quase um ano para Lúcia (nome fictício) deixar a unidade de ressocialização e voltar para casa. A garota conta que conseguiu concluir o Ensino Médio, fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e sonha em ingressar em um curso superior na área de Ciências Humanas.

Lúcia admite que as atitudes que cometeu quando estava na rua, em companhia de pessoas que se diziam amigas, eram erradas. Mais amadurecida e empolgada com a chance de entrar para a universidade, a menina garante que escolherá uma profissão que possa ajudar outras pessoas e evitar que crianças e adolescentes se envolvam na criminalidade.

“Consegui terminar o ensino médio e quero muito entrar para a universidade. As diretoras disseram que eu tenho chance. Vou esperar o resultado do Enem para ver se consigo, porque quando eu sair só quero trabalhar e procurar me especializar no curso que eu quero”, revela.

A vice-diretora da Casa Educativa, Áurea Leite, explicou que as internas estudam na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA), na Escola Almirante Saldanha, que funciona no local. Para atender as 26 jovens, são disponibilizadas quatro turmas, conforme o ciclo de aprendizagem de cada grupo.

No período oposto ao das atividades em sala de aula, as adolescentes podem participar das oficinas lúdicas e que estimulem a produção artística, como oficinas de violão, flauta, teclado, curso e teatro.

PROFISSIONALIZAÇÃO E CHANCE DE ‘ESTÁGIO’

Além da falta na frequência escolar, a maioria das meninas que chegam à Casa Educativa também não tem capacitação profissional. Como parte das atividades realizadas na instituição, as adolescentes participam também de cursos profissionalizantes, oficinas e podem ter a chance de fazer uma espécie de estágio em uma padaria existente na própria unidade.

Maria José (nome fictício) tem 17 anos e já trabalhou no estabelecimento. Ela está na unidade há mais de um ano e conta que os cursos e o trabalho representam uma chance de ingressar no mercado de trabalho futuramente. “Aqui eu continuei meus estudos, fiz os cursos e ajudei na padaria.

Quando eu sair daqui quero arrumar um trabalho melhor para ajudar a minha mãe. A convivência com as meninas é boa e isso também ajuda a gente a continuar”, planeja a jovem.

A vice-diretora da Casa Educativa, Áurea Leite, explicou que as adolescentes que ficam na padaria trabalham em regime diferenciado, semelhante ao programa Jovem Aprendiz.

Segundo ela, durante seis meses as meninas trabalham quatro horas por dia, de segunda a sexta-feira, para que também possam participar das demais oficinas e também das atividades em sala de aula.

“Essas meninas que estão na padaria são adolescentes que já tiveram toda a lapidação. Foram trabalhadas para isso, conscientizadas e não tem o perigo de evadir. Elas recebem uma bolsa no valor de R$190. Desse dinheiro, 50% vai para a poupança e 50% para comprar o que elas desejarem, como shampoo, sabonete, roupas, sapatos. Elas saem para comprar comigo ou com os educadores”, explicou Áurea Leite.

A gestora revelou ainda que o acesso à educação e profissionalização são fatores que diminuem o retorno das adolescente ao mundo do crime. “A gente forma uma rede para nos articularmos para quando elas saírem daqui não voltem para o mundo do crime. O índice de retorno para nossa unidade, nos últimos três anos, foi de quatro adolescentes, que voltaram pelo mesmo ato infracional. Ou seja, o trabalho está funcionando”, disse.

A análise das pesquisadoras segue a mesma opinião. Segundo elas, as capacitações são positivas para as adolescentes e são bem aproveitadas por elas, ajudando a evitar a reincidência.

“Elas valorizavam muito a profissionalização para levar para a vida futura. Essa capacitação que elas estavam recebendo ali dentro iria ajudá-las a trabalhar e a melhorar a vida lá fora”, acrescenta a professora Wânia Di Lorenzo.

ATIVIDADES CONSTRUTIVAS

A promotora da Infância Infracional de João Pessoa, Ivete Arruda, também acompanha o trabalho de ressocialização realizado na Casa Educativa. Segundo ela, as atividades são construtivas para as adolescentes. Contudo, ela lembra que as famílias das meninas também devem ser assistidas pelo poder público.

“Não posso dizer que a gente tem visto mudanças de 100%, mas um adolescente que a gente consegue salvar já é muito.

Agora, o meio para onde elas voltam precisa ser restaurado para que essa ressocialização começada a partir da medida socioeducativa tenha efeito. Essa adolescente precisa ter esse apoio e as famílias também. Se ela não tem o acompanhamento de um programa e uma liberdade assistida, ela vai infringir a lei novamente”, recomenda a promotora.

A promotora lida diariamente com situações de adolescentes em conflito com a lei e, na opinião dela, o apoio às adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade e com risco de ingresso na criminalidade deve ser principalmente preventivo.

“Acho que precisa se trabalhar a prevenção, dar suporte às famílias e ter programas sérios para que estruturem famílias para que possam ter filhos em melhores condições. Se a gente não consegue isso lá na base e esse ou essa adolescente termina em uma medida socioeducativa, que pelo menos ao sair de lá, ele ou ela, tenha o suporte e seja amparada e assistida pelos programas”, explicou.

A vice-diretora da Casa Educativa informou que o trabalho de ressocialização é feito em rede com a integração de diversos serviços e as famílias e as adolescentes são acompanhadas pelos Centros de Referência e Assistência Social (Creas) e Centro de Atenção Psicossocial (Caps) distribuídos no Estado.