Paraíba registra casos de intolerância religiosa

Fatos registrados recentemente reacenderam a polêmica sobre a diversidade de crenças e os preconceitos que ainda existem

Imagine a seguinte cena: uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, tão venerada pelos católicos, sendo alvo de piadas, xingamentos e menosprezo. Pior: certo dia, um grupo de jovens de uma outra religião resolve, de repente, pegar a imagem e jogar-lhe gasolina, queimando-a. Quebrando-a. “Diziam que os católicos estão condenados ao inferno”, conta o padre Querino Pedro, da Paróquia Santo Afonso. O fato aconteceu no ano passado, no município de Carrapateira, que fica no Sertão paraibano, a cerca de 384 km de João Pessoa. Hoje, de acordo com o padre, embora as coisas estejam mais ‘tranquilas’ no município; a intolerância religiosa, no entanto, continua se fazendo presente em terras paraibanas.

Após os episódios do último mês, que tiveram repercussão nacional, como a menina de 11 anos que levou uma pedrada na cabeça após sair de um culto, e, também, o assassinato do médium Gilberto Arruda, do Centro Espírita Lar de Frei Luiz, ambos no Rio de Janeiro, reacendeu-se a discussão sobre a intolerância religiosa.

O que poucos sabem, porém, é que tão perto da nossa vista também é praticada, diariamente, a intolerância, seja através de pequenos gestos, como um olhar atravessado, seja por meio de atitudes mais graves, como a quebra da imagem de Nossa Senhora. No mesmo rol, também se enquadra a derrubada de um terreiro em Cabedelo, pela prefeitura do município, no início do mês de junho, fato que gerou um protesto no local na última quarta-feira. A ‘vítima’ – Pai Joelson – desconfia que o ato tenha sido movido pela intolerância religiosa; a prefeitura garante que tratou-se de um evento jurídico, cujo processo já estava se desenrolando há meses, e que a área, de fato, era da prefeitura, portanto sua derrubada nada teve a ver com a religião dos que ocupavam a área.

Fórum luta por respeito

Além da agressão à imagem de Nossa Senhora, crianças católicas também sofriam assédio nas escolas do município, quando diziam que elas estariam condenadas ao inferno e que o certo seria, na verdade, repudiar Nossa Senhora. De acordo com o padre, as pessoas que cometeram os atos de vandalismo pertenceriam à Igreja Pentecostal Rio de Águas Vivas dirigida por Luiz Lourenço, mais conhecido por Pastor Poroca. O caso foi levado à Justiça.

Embora a maioria dos casos de intolerância registrados seja de pessoas que fazem parte das religiões de matrizes africanas, não são só eles, no entanto, que sofrem a discriminação: o Fórum da Diversidade Religiosa, por exemplo, luta, inclusive, para até mesmo aqueles que optam por não ter uma religião, os ateus, sejam respeitados.

Para o coordenador do Fórum de Diversidade Religiosa, Saulo Gimenez Ferreira, o que acontece, hoje em dia, é uma volta à idade das trevas. “É uma verdadeira queima às bruxas”, diz, referindo-se não só ao caso de Pai Joelson, mas, também, de inúmeros outros casos que vêm acontecendo na Paraíba e no Brasil. E engana-se quem pensa que somente os candomblecistas ou umbandistas sofrem com a intolerância: muçulmanos, na Paraíba, por exemplo, dificilmente passam sem ser chamados de “homens-bomba”.

De acordo com o Fórum de Diversidade Religiosa da Paraíba, de 2012 para cá foram registrados sete casos de intolerância religiosa no Estado. O número, no entanto, é subnotificado: muitas vezes ocorrem casos de intolerância que não são registrados pelo órgão já que eles não chegam sequer a tomar conhecimento. Além disso, muitas vezes a intolerância acontece no dia a dia, em situações casuais: por optarem por religiões que não são a da maioria, as pessoas acabam recebendo olhares atravessados ou, até mesmo, são obrigadas a escutar xingamentos. Embora o maior número de reclamações seja das pessoas de religiões de matrizes africanas, no entanto, pode-se perceber, com o caso do padre católico, que o grande problema, na verdade, é a intolerância.

Um outro caso ocorreu com a jovem Priscilla Estevam, de 26 anos. Durante sua ida ao trabalho, por estar atrasada, optou por pegar um alternativo. Ao entrar no carro, no entanto, por não aceitar o ‘santinho’ dado pelo motorista, foi convidada a se retirar do veículo. “Ele reparou na minha guia, que é uma coisa que caracteriza quem é de religião de matriz africana. É a representação do orixá da pessoa. Tem uma ligação de proteção, sabe? Foi aí que ele mandou eu sair do carro”, conta. Essa, no entanto, não foi a primeira vez que Priscilla sentiu-se acuada por conta de sua escolha religiosa – em outras situações, também já foi alvo de intolerância, seja por meio de olhares atravessados ou mesmo da verbalização de uma tentativa de lhe ‘evangelizar’.

Um dos motivos para tanta intolerância, de acordo com Saulo, seria, entre tantos, a má qualidade de informação a que se tem acesso. “Hoje, se tem mais acesso à informação, mas que informação é essa? Eu sou de um tempo em que para se pesquisar tinha que se ir às grandes enciclopédias. Hoje em dia você encontra uma infinidade de informações em qualquer rede social. Mas muitas pessoas se dedicam exclusivamente a incentivar o ódio. E, outras, têm preguiça de pensar. Aceitam qualquer coisa que escutam”, opina.

Como agir em caso de intolerância

No caso de discriminação religiosa, a vítima deve ligar para a Central de Denúncias (Disque 100) da Secretaria de Direitos Humanos.

Também deve procurar uma delegacia de polícia e registrar a ocorrência. O delegado tem o dever de instaurar inquérito, colher provas e enviar o relatório para o Judiciário. A partir daí terá início o processo penal.

Em caso de agressão física, a vítima não deve limpar ferimentos nem trocar de roupas — já que esses fatores constituem provas da agressão — e precisa exigir a realização de exame de corpo de delito.

Se a ofensa ocorrer em templos, terreiros, na casa da vítima, o local deve ser deixado da maneira como ficou para facilitar e legitimar a investigação das autoridades competentes.

Todos os tipos de delegacia têm o dever de averiguar casos dessa natureza.