Pousadas são pontos de consumo de drogas

Esquema usa garotas de programa e pousadas no Centro de JP para venda de drogas; mulheres servem como ligação entre usuários e traficantes.

A intensa movimentação do comércio cessa e aos poucos elas vão chegando à Rua da República, no Centro de João Pessoa.

Mulheres que fazem o papel de profissionais do sexo, mas na verdade são mediadoras do tráfico de drogas. A negociação e o consumo dos entorpecentes são feitos em pousadas que estão inseridas no esquema criminoso. Apesar da situação ser visível, não há nestes locais qualquer fiscalização, e eles funcionam livremente, mesmo de forma irregular.

O esquema criminoso foi descoberto durante investigações realizadas pelo delegado Aldrovilli Grisi, atualmente titular na Delegacia de Crimes Contra o Patrimônio, na capital. As mulheres desempenham um papel semelhante a uma ponte, que liga os usuários de drogas aos aviões do tráfico.

Os clientes não buscam nas supostas profissionais do sexo uma relação, mas algo que para eles é ainda mais excitante: o crack.

“Quando chega a noite, as marquises e calçadas são tomadas por profissionais do sexo, mas o programa sexual acaba sendo uma consequência do esquema ilícito em que elas estão envolvidas e a pousada é o centro de tudo, em termos de localização”, revelou Aldrovilli Grisi.

Segundo o delegado, o esquema funciona da seguinte maneira: o traficante fornece a droga para os aviões do tráfico, que por sua vez se instalam em ruas localizadas no entorno da pousada, previamente inserida no esquema. Enquanto isso, as mulheres se posicionam nas imediações desta mesma pousada, simulando ser profissional do sexo.

“O usuário se aproxima da mulher, ela o conduz até uma pousada, à qual é vinculada e o leva até um quarto. Ele paga um valor ‘x’. As profissionais do sexo possuem tráfego livre nestes locais. O usuário então paga uma quantia a ela, por exemplo R$ 50,00. Ela desce e vai buscar pedras (crack) para ele. A garota de programa não chega a fazer um programa sexual, ela é uma usuária dependente, explorada pelos aviões para não haver uma exposição dos usuários junto aos próprios aviões”, explicou Grisi.

Pelo menos em três pousadas do Centro foi constatada a relação direta com o tráfico de drogas e a prostituição. Nestes estabelecimentos, uma lata vazia chega a ser vendida por até R$ 5,00. Segundo o delegado Aldrovilli Grisi, o objeto é utilizado por usuários de drogas para consumir o crack.

“Eles se isolam no quarto da pousada, gastam todo o dinheiro, por vezes ele troca até a roupa do corpo por droga, saem da pousada irreconhecíveis e dopados pelo entorpecente. Como é que a pousada participa desse esquema de tráfico? Ela cobra toda vez que o usuário entra, cobra uma taxa da garota de programa, como uma espécie de pedágio. Então, a pousada se beneficia desse esquema de tráfico, permite a presença de usuários, então é uma exploração. É um antro de refúgio para delinquentes ali do Centro, porque como é uma área de comércio, fica praticamente sem a movimentação de pessoas à noite”, frisou Grisi.

A reportagem do JORNAL DA PARAÍBA contabilizou pelo menos 20 pousadas no Centro da capital, e nenhuma delas está cadastrada no Sistema de Cadastro de Pessoas Físicas e Jurídicas que atuam no setor do turismo, executado pelo Ministério do Turismo, o Cadastur. O preço varia entre R$ 5,00 a R$ 10,00 por uma hora, em um quarto com ventilador.

LOCAIS SÃO ALVO FREQUENTE DA DRE

Durante as investigações referentes ao sumiço da menina Fernanda Ellen, o delegado Aldrovilli Grisi, então integrante do Grupo de Operações Especiais (GOE), realizava um trabalho de coleta de dados diariamente nas pousadas do Centro. O celular da garota foi objeto de uma negociação criminosa, nos moldes explicados pelo delegado, em uma pousada na avenida Cardoso Vieira, local onde o crack, obtido com o valor do celular, foi consumido.

As pousadas são alvo frequente de ações desenvolvidas pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE). Uma delas, instalada na rua da República, no Centro de João Pessoa, foi fechada pelos policiais civis após uma investigação mostrar que o proprietário do local seria traficante e fornecia drogas para diversos pontos da área durante a noite.

ASSASSINATO

No último mês de julho, dois homens foram assassinados a tiros em uma pousada localizada no bairro Varadouro. Segundo a polícia, o crime foi praticado por quatro homens que estavam em uma motocicleta. Eles chegaram à pousada, abriram a porta e começaram a atirar, atingindo Adrielisson Ramos de Santana, 19 anos, e Deoclécio Silva de Almeida, 25 anos, que faleceram no local.


  DUAS PERGUNTAS PARA O DELEGADO ALDROVILLI GRISI

JP: O fato de grande parte do esquema criminoso ocorrer no interior de pousadas dificulta o trabalho da polícia?

Delegado: Os proprietários das pousadas têm conhecimento do esquema do tráfico de drogas, permitem a entrada de traficantes, prostitutas e chegam até a explorar esse esquema. Por ser um ambiente privado, a entrada da polícia só pode acontecer mediante determinação judicial. A entrada é franqueada para os órgãos de repressão policial.

JP: O que a polícia encontra nestes locais?

Delegado: Um casal, aparentemente. Na maioria das vezes o homem é usuário de drogas e está utilizando aquela mulher como o avião para buscar a droga com um pequeno vendedor, que por muitas vezes é reprimido por ações policiais. Já sabendo o modus operandi da repressão policial, eles permanecem com pequenas quantidades de drogas, e quando a denúncia chega ao poder judiciário materializa apenas o consumo de drogas,o que o leva às ruas novamente. A polícia prende e no outro dia está nas ruas.

SAIBA MAIS

APROS-PB ACREDITA EM PRECONCEITO

A presidente da Associação das Prostitutas da Paraíba (Apros-PB), Luza Maria Silva, desconhece que as prostitutas sejam intermediárias do tráfico de drogas. Ela creditou a denúncia ao fato da categoria ser alvo de preconceito.

“Existem prostitutas envolvidas, mas não são vistas como traficantes, elas são usuárias de drogas. A gente sabe que a droga hoje, principalmente o crack, está em todo lugar e essas mulheres já são marginalizadas, vítimas da sociedade. A gente tem até medo de falar sobre isso porque somos muito expostas.

Se fizermos uma denúncia à polícia, no outro dia estaremos na rua, totalmente vulneráveis. Nós não somos nada dentro desse esquema”, afirmou Luza Silva.