Raças de animais de criação nativas do semiárido correm risco de extinção

Trocar criação por outras exóticas ameaça manutenção das nativas.

(Foto: Junot Lacet Filho/Arquivo)
(Foto: Junot Lacet Filho/Arquivo)
(Foto: Junot Lacet Filho/Arquivo)

Animais como cabras, bodes, ovelhas, bois e galinhas correm o risco de extinção porque parte dos criadores estão cada vez mais investindo na compra de animais de raças exóticas, de acordo com pesquisas do Instituto Nacional do Semiárido (Insa). Ao contrário das raças nativas, as exóticas não são comuns da região e não são adaptadas ao clima do semiárido.

Segundo o pesquisador do Insa Geovergue Medeiros, a criação destes animais faz parte da cultura de agricultores de todo o semiárido paraibano. Os animais servem como fonte de renda e alimentação das famílias. As raças nativas da região são totalmente adaptadas as condições do clima, resistem à seca e à escassez de alimentos, sendo as mais adequadas para a criação.

Mas, de acordo com o pesquisador, os produtores “entram na onda” do mercado e investem na criação de animais exóticos, que prometem uma maior produção de carne e de leite. Acontece que eles acabam se frustrando porque os animais nem sempre apresentam o mesmo desempenho no semiárido que têm em outras regiões do país devido a problemas de adaptação à região.

Evento debate técnicas

Pensando na importância da criação das raças nativas pelos produtores locais e no papel que elas desenvolvem, o Insa realiza a partir desta terça-feira (14) a oficina Raças Nativas na Agricultura Familiar Agroecológica para debater junto a criadores e estudiosos a criação desses animais. O evento é realizado em parceria com a Articulação do Semiárido Paraibano, conhecida como Asa, e a Rede Paraibana de Núcleos de Agroecologia.

Na oficina, pesquisadores, técnicos e estudantes da área vão discutir as melhores formas de manejo dos animais, cuidados com alimentação e legislação que envolve esta criação. Produtores também vão participar do debate, expondo a experiência da criação e absorvendo conhecimento científicos que ajudem na criação por parte dos agricultores.

Problemas na reprodução

A criação dessas raças exóticas ameaça a existência das raças nativas porque os produtores acabam deixando de criar e estimular a reprodução de animais nativos.

Um desses fatos que contribuem é a criação de raças nativas e exóticas na mesma propriedade, promovendo o cruzamento indiscriminado entre elas. Isso acaba mudando a genética dos animais e criando uma nova raça, contribuindo assim para a extinção das raças existentes.

Geovergue explica que também há outras questões que ameaçam a existência dos animais nativos. “Além da reprodução indiscriminada dos animais de raças nativas e exóticas, há também a castração dos animais reprodutores de raças nativas e abate indiscriminado dos nativos. Então, animais de raças nativas e locais estão desaparecendo, sem ao menos terem suas potencialidades conhecidas. Isto tem ocorrido devido ao sistema de produção utilizado no Brasil e,consequentemente, no Nordeste”, explicou.

(Foto: Francisco França)
(Foto: Francisco França)

Raças exóticas não são ruins

Ele também fez questão de frisar que o problema não são as raças exóticas: elas não são o problema, mas não estão adaptadas à região. Por isso, é melhor que o produtor crie animais nativos. “Não é que as raças exóticas sejam ruins e não devam ser criadas. O que acontece é que animais exóticos, que não estejam bem adaptados às condições ambientais do semiárido não vão expressar seu potencial se não receberem todo o manejo adequado para produzirem na região. É muito melhor para o produtor rural manter a criação com os animais que já são adaptados às condições climáticas do semiárido”, sugere.

Ovinos e caprinos são alvo

Os principais ameaçados de extinção são os ovinos e caprinos, além também das galinhas. Os agricultores estão trocando a criação das tradicionais galinhas de capoeiras famosas na culinária regional e também pelos ovos nutritivos pela criação de galinhas caipiras, que apesar de parecerem a mesma coisas, são bem diferentes.

Algumas das raças tradicionais criadas no semiárido paraibano são as de caprino como moxotó, canindé, marota e de ovinos como morada nova e Santa Inês que são totalmente adaptados às condições climáticas do semiárido, se alimentam vegetação nativa e estão acostumados com a seca.

Produtores reconhecem vantagens

A agricultora Roselita Victor da Costa Albuquerque, de 47 anos, mora no assentamento Queimadas, na cidade de Remígio. Ciente da importância dos animais de raça nativa ela faz questão de manter a criação de animais dela só com raças da região. Dona Rose, como é chamada, vai participar da oficina e disse que é importante que outros agricultores também reconheçam que criar raças nativas é muito melhor pra eles.

De acordo com ela, os animais servem como fonte de renda e alimentação para as famílias agricultoras. As raças nativas são mais fáceis de criar porque comem a vegetação nativa e estão acostumados à seca, que é comum no semiárido. Segundo ela, os animais servem como uma garantia de renda. Quando o produtor precisa de dinheiro pra fazer uma consulta médica, por exemplo, é mais fácil vender um animal nativo do que um de raça exótica.

Ainda segundo a agricultora, que é engajada em causas agroecológicas, criar animais nativos ajuda no ecossistema já que eles podem ser criados comendo vegetação típica da caatinga e não é necessário mexer no ecossistema, como acontece para criar raças exóticas.

A criação animal é cultural e símbolo de resistência dos agricultores do semiárido. A criação de galinhas, por exemplo, é fundamental para a geração de renda de várias mulheres agricultoras, além de servir para alimentação e sustento da família. A luta do INSA e demais instituições que estão promovendo a oficina é ajudar a visibilidade e mostrar a importância da criação de raças nativas e valorizar aquele que fazem a manutenção dessa cultura.

* Sob supervisão de Aline Oliveira