O abecedário de José Lins do Rego

ABC de José Lins do Rego (José Olympio, 294 páginas, R$ 38,00), de Bernardo Borges Buarque de Hollanda, chega às livrarias este mês.

Era a vez de o escritor cuja literatura alfabetizou gerações de leitores ganhar o seu próprio alfabeto. ABC de José Lins do Rego (José Olympio, 294 páginas, R$ 38,00), de Bernardo Borges Buarque de Hollanda, chega às livrarias este mês dando continuidade a uma série que começou em 2007 com o ABC de Ariano Suassuna, escrito pelo colunista do JORNAL DA PARAÍBA Braulio Tavares.

Inspirado, como consta no sumário, em um poema típico da literatura de cordel cujas estrofes começam com as letras da cartilha, o livro explora o léxico biobibliográfico do romancista em capítulos que vão de A a Z, ou de ‘Açúcar’ às (anedotas) ‘Zelinianas’.

"Trata-se de um perfil biográfico, que se propõe a apresentar a vida e a obra de José Lins do Rego", explica, em entrevista por e-mail, Bernardo Borges Buarque de Hollanda.

"O livro aborda aspectos da composição do Ciclo da Cana-de-Açúcar, com uma descrição tanto do processo de criação das obras quanto de elementos internos, estilísticos e temáticos, dos romances", complementa o autor.

Descrito por Bernardo de Hollanda como um escritor "talentoso e irrequieto, cujos escritos se ligam intimamente às experiências pessoais e às recordações de infância", José Lins do Rego foi apresentado ao pesquisador (que nasceu na Costa Rica mas mora no Rio de Janeiro) tal como aparece na capa do livro: na pele do inabalável torcedor do Clube de Regatas Flamengo.

Bernardo de Hollanda encara o certame como objeto de estudo em O Clube como Vontade e Representação: O Jornalismo Esportivo e a Formação das Torcidas Organizadas de Futebol no Rio de Janeiro (lançado em 2008) e revela a reputação do torcedor/cronista Zé Lins, em seu ABC, a partir do verbete ‘Paixão Rubro-Negra’.

"Falar de José Lins do Rego como cronista esportivo é explorar uma faceta aindapouquíssimo conhecida deste torcedor do Flamengo, que comparava as cores de seu clube àquelas do estado da Paraíba: o vermelho e o preto", relata o pesquisador.

"Foi um prolífico cronista, mais de mil e quinhentas crônicas sobre futebol. É interessante observar sua capacidade de discernir entre o clubismo e a análise técnica do jogo. Era um perito na abordagem de aspectos táticos das partidas. Muito ainda há para descobrir sobre sua produção na crônica esportiva. Aguardamos novos pesquisadores", provoca.

O abecedário começou a ser redigido enquanto Bernardo estava na França concluindo o seu pós-doutorado em Paris. Segundo ele, o interesse em torno da ficção de Zé Lins lá fora pode ser medido na quantidade expressiva de traduções que ela ganhou.

"Na França, em particular, Menino de Engenho (1932) foi recebido com entusiasmo pelo vanguardista Blaise Cendrars, personagem de destaque na história do modernismo brasileiro.

Foi ele quem assinou o prefácio de L’enfant de La Plantation, a versão francesa publicada em 1952".

De volta ao Brasil, Bernardo contou com a ajuda do poeta Thiago de Mello e do cineasta Vladimir Carvalho, este último mencionado na apresentação pela "simpatia à primeira vista" e "pelas longas e prazerosas conversas nas imediações do Catete, local do Rio de Janeiro onde, aliás, José Lins do Rego chegou a morar brevemente".

"Com o poeta Thiago de Mello, pude conversar por telefone, pois como ele mora na Amazônia a distância impediu nosso encontro pessoal. Thiago foi um inveterado amigo de José Lins e o acompanhou até o último instante, no leito do hospital, antes de falecer".

O poeta Thiago de Mello, que esteve em João Pessoa durante esta semana, é um dos principais entrevistados por Vladimir Carvalho no documentário O Engenho de Zé Lins (2008), cujas gravações foram concomitantes aos encontros com Bernardo.

"Com o Vladimir o contato foi mais próximo e direto. Conversamos longamente, mais de uma vez, na época em que ele filmava o documentário. É um paraibano que conhece a fundo a obra de José Lins, de quem ouviu falar ainda criança, através de seu pai, então morador de Itabaiana".

Bernardo lamenta o fato de não ter estado na Paraíba durante a concepção do livro: "Infelizmente, não houve oportunidade de conhecer sua terra natal, embora não faltem ganas de fazê-lo, a fim de levantar mais material, algo fundamental na atividade de um historiador".

O material iconográfico que ilustra as páginas, porém, é extenso: há desde fotos da Tia Maria, com os filhos e agregados da casa-grande da fazenda de José Lins Cavalcanti de Albuquerque, avô materno do escritor, até imagens com a esposa Dona Naná, Gilberto Freyre, José Olympio e das capas de todas as novas edições publicadas pelo selo.

"A editora contou com a gentileza da família do romancista, que abriu seus arquivos fotográficos particulares para ilustrar o livro com preciosidades, tal como a foto de José Lins do Rego em Helsinque, na Finlândia, onde esteve nos anos 1950", assinala Bernardo de Hollanda.