‘Lady Bird – a hora de voar’: uma jornada de amadurecimento e compreensão

Relacionamento entre mãe e filha ganha protagonismo em comédia adolescente de Greta Gerwig.

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Saoirse Ronan em Lady Bird – a hora de voar.

RESENHA DA REDAÇÃOLADY BIRD – A HORA DE VOAR (EUA, 2017, 93 min.)
Direção: Greta Gerwig
Elenco: Saoirse Ronan, Laurie Metcalf, Tracy Letts, Lucas Hedges, Timothée Chalamet
★★★★☆

É impossível não lembrar da adolescência como um período confuso, igualmente alegre e doloroso, que engloba descobertas boas e ruins. E é esse olhar nostálgico que Greta Gerwig empresta a Lady Bird – a hora de voar (Lady Bird, 2017), longa que concorre ao prêmio de Melhor Filme na 90ª edição do Oscar, que ocorre no dia 4 de março.

O filme cobre o período de um ano da vida de Christine “Lady Bird” McPherson (Saoirse Ronan em atuação maravilhosa), jovem que frequenta uma escola católica na cidade de Sacramento, nos Estados Unidos. Lady Bird – nome que ela deu a si mesma, evidenciando a natureza sonhadora e rebelde da personagem (e da adolescência em geral) – vive situações típicas na vida de uma jovem de 16 anos: dentre a primeira experiência sexual frustrante e desilusões amorosas, a personagem passa por problemas familiares e financeiros, discussões com a melhor amiga e preocupações quanto ao futuro.

Gerwig – que, além de dirigir, também escreveu o roteiro – transita pelas diferentes e confusas situações da adolescência de forma fervorosa e bem-humorada (as piadas envolvendo o professor de Educação Física no clube de teatro, apesar de se repetirem, sempre funcionam), e o filme ganha o ritmo frenético e resiliente que caracteriza esse período da vida sem tornar-se lacunar ou truncado. Se Lady Bird sofre uma decepção amorosa hoje, amanhã isso já não importa tanto: centenas de outras experiências tão enriquecedoras quanto acontecem ao mesmo tempo e também merecem ser vividas.

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O espaço, em Lady Bird, ganha tanta importância quanto as experiências – ele é, na verdade, indissociável delas: Lady Bird sonha em viver nas enormes mansões da vizinhança rica do bairro, que contrastam com a confusão claustrofóbica e mal-cuidada de sua própria casa. O ambiente escolar e religioso apresenta-se como rígido e controlador, e só não se torna opressivo devido à recusa do filme em ceder a uma postura vitimista ou melodramática. A cidade de Sacramento é retratada com um carinho nostálgico que, apesar disso, não esconde traumas e mágoas, e é impossível não entrever sugestões autobiográficas no tratamento que Gerwig dá ao local.

A própria música do filme reforça o caráter pessoal que o projeto tem para a diretora: Gerwig escreveu cartas para Alanis Morissette, Justin Timberlake e Dave Matthews Band requerendo os direitos para que suas músicas pudessem ser utilizadas em Lady Bird. Nas cartas, a diretora explica a importância que cada artista e canção teve em sua vida.

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Saoirse Ronan e Laurie Metcalf em Lady Bird.

Mas o que realmente garante ao filme a sua força e o impede de se tornar apenas mais um coming of age indie fofo-mas-esquecível é o relacionamento entre Lady Bird e a mãe, Marion (Laurie Metcalf). A dinâmica entre mãe e filha se constrói de forma complexa e amargamente verossímil: ambas vivem o tipo de relação em que as palavras trocadas parecem ser sempre dolorosas e carregadas de mágoa; em que as expectativas que uma nutre são constantemente desafiadas e frustradas pela outra. Mas a relação de carinho e cuidado entre as duas mulheres está ali, evidenciada pelas preocupações de Marion com o bem-estar da filha e pelo reconhecimento de Lady Bird dos sacrifícios que a mãe tem que fazer para poder sustentá-la. Em tempos de maior ressonância do movimento feminista e de luta pela retomada do protagonismo da mulher em Hollywood, um filme que enfoque o relacionamento entre duas mulheres (e escrito e dirigido por uma mulher) é bem-vindo e oportuno e o tratamento secundário dado aos problemas do pai, Larry (Tracy Letts) é compreensível e acertado.

Em Lady Bird, o amadurecimento de si vem acompanhado de uma maior empatia e responsabilidade pelo outro e do entendimento de que as pessoas são, afinais, diferentes. As picuinhas da adolescência e as expectativas parentais frustradas vão, aos poucos, dando lugar à aceitação e compreensão mútuas. Longe de deixar qualquer relacionamento perfeito e de resolver todos os problemas da vida, esse é, pelo menos, o primeiro passo de um novo caminho – conturbado e problemático, mas sempre fascinante.

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