‘Três anúncios para um crime’: a raiva de uma mulher e a redenção de um homem

Favorito no Oscar tem protagonista complexa, mas peca em ‘jornada de salvação’.

três anúncios para um crime crítica
Frances McDormand em Três anúncios para um crime: uma pergunta presa na garganta por sete meses.

RESENHA DA REDAÇÃOTRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME (EUA, Reino Unido, 2017, 115 min.)
Direção: Martin McDonagh
Elenco: Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell, Abbie Cornish, John Hawkes
★★★☆☆

Três anúncios para um crime (Three billboards outside Ebbing, Missouri, 2017) apresenta uma personagem extremamente complexa, bem construída, humana e maravilhosamente interpretada por Frances McDormand: Mildred Hayes. A mera presença da protagonista já é o suficiente para compreender a recepção extremamente positiva de público e crítica que o longa recebeu no último ano. Entretanto, é justamente o tratamento dispensado a um outro personagem que expõe as fraquezas e inconsistências do filme.

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Escrito e dirigido por Martin McDonagh (Sete psicopatas e um shih tzu), o longa, que concorre ao prêmio de Melhor Filme no Oscar 2018, conta a história de uma mãe inconformada com a investigação policial no caso de sua filha, Angela (Kathryn Newton), que foi estuprada e assassinada. Sete meses após o crime seguir sem resolução e se encaminhado para o esquecimento, Mildred resolve pagar por três outdoors no local onde Angela foi morta para questionar a ineficácia da polícia e do delegado, William Willoughby (Woody Harrelson).

Os anúncios conseguem o efeito esperado e logo todas as atenções da pequena cidade se voltam para Mildred e os outdoors. A opinião pública, entretanto, se vira contra a mulher: o policial William está sofrendo de câncer terminal, e jogar o fardo do homicídio sobre ele (como se não fosse este o seu trabalho) em seus últimos meses de vida seria uma atitude injusta e desumana.

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“Estuprada enquanto morria e ainda nenhuma prisão? Como, Chefe Willoughby?”.

O apelo da personagem principal reside em sua força, resiliência e determinação em resolver o homicídio da filha mesmo que, para isso, toda a cidade fique contra ela. Mildred se recusa a fraquejar, a lamentar passivamente a morte da filha, a ser compassiva e tentar esquecer; pelo contrário, a personagem se reveste de ódio e amargura na sua busca por justiça. Ela não tem pudor ao demonstrar seu humor negro e frequentemente sofre rompantes inesperados de agressividade e violência.

E é justamente por isso que Mildred sobressai-se como uma anti-heroína completamente humana que reflete as frustrações de uma parcela empobrecida e silenciada da sociedade norte-americana. Ver uma mulher revestir-se de traços tão comumente atribuídos aos homens (na arte e na sociedade, coube às mulheres chorar pelas tragédias enquanto os homens corriam em armaduras brilhantes em busca de vingança e reparação) e desafiar a Lei, a Igreja e toda uma comunidade dá ao filme a força que justifica seu status como uma das melhores obras cinematográficas do ano.

Vale destacar, também, como McDonagh estrutura a narrativa de forma habilidosa, recorrendo a situações que funcionam como espelhos – por exemplo, as constantes menções às torturas cometidas pelo policial Jason Dixon contra negros culminam no espancamento do responsável pela empresa de outdoors, Welby (Caleb Landry Jones); e a cena em que o policial leva uma surra em um bar refere-se diretamente a um trecho de uma das cartas escritas pelo chefe Willoughby.

Crimes que permanecem impunes

Três anúncios para um crime evita retratar suas personagens de forma maniqueísta, expondo as virtudes, dores, falhas e feiuras de cada um. Talvez seja essa tentativa de tornar os habitantes de Ebbing mais humanos e verossímeis que tenha resultado na fenda que, assim como o incêndio que destrói os anúncios de Mildred, mancha a fachada do filme. O texto pode, a partir daqui, conter revelações do enredo (spoilers).

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Sam Rockwell como Jason Dixon em Três anúncios para um crime: difícil comprar uma mudança de caráter tão repentina.

Jason Dixon (Sam Rockwell) é um policial da cidade que nos é apresentado como o espelho da hipocrisia, a antítese da boa conduta, um resumo dos que apregoam a moral e os bons costumes: ele abusa do poder de policial, é racista, infantil, agressivo e também ridiculamente dependente da mãe.

O ódio que habita em Jason tem raízes distintas do que motiva Mildred, e o personagem revela nutrir apenas uma necessidade patológica de poder e ascensão pessoal. Surpreende, portanto, que McDonagh decida traçar uma jornada de redenção para o policial no último arco, unindo-o aos estímulos muito mais complexos e profundos de Mildred. O tratamento que o filme dispõe ao personagem tem rendido, inclusive, discussões sobre a complacência de Três anúncios para com uma figura corrupta e racista.

A remição de Jason soa inverossímil e repentina demais. O filme até tenta prestar um serviço fácil ao público ao fazer o policial sofrer antes de sua caminhada de libertação (sofrimento convenientemente observado por personagens negros), como se umas poucas pancadas fossem necessárias para mudar um homem e redimi-lo de seus crimes.

Três anúncios para um crime é uma grande obra ao retratar a luta solitária de uma mulher por justiça, mas decai ao lançar um olhar complacente e simplório a um homem como Jason. Talvez, num universo alternativo em que Mildred pudesse assistir ao filme, o seu ódio se voltaria para uma abordagem tão indulgente e cega aos problemas que a cercam.

Confira as resenhas dos outros filmes que concorrem na categoria Melhor Filme no Oscar 2018: