‘Animais fantásticos: os crimes de Grindelwald’: ambicioso, filme tropeça com tramas em excesso

Novo filme de J.K. Rowling traz doses de nostalgia para os fãs e lança um olhar sobre onda autoritária atual.

'Animais fantásticos: os crimes de Grindelwald': ambicioso, filme tropeça com tramas em excesso
Eddie Redmayne como Newt Scamander em Animais fantásticos: os crimes de Grindelwald.

RESENHA DA REDAÇÃOANIMAIS FANTÁSTICOS: OS CRIMES DE GRINDELWALD (EUA, Reino Unido, 2018, 134 min.)
Direção: David Yates
Elenco: Eddie Redmayne, Katherine Waterston, Dan Fogler, Alison Sudol, Ezra Miller
★★★☆☆

Dois anos após o lançamento de Animais fantásticos e onde habitam, J.K. Rowling procura levar o público de volta ao mundo mágico iniciado em Harry Potter com Animais fantásticos: os crimes de Grindelwald (Fantastic beasts: the crimes of Grindelwald, 2018), que tem pré-estreias em João Pessoa nesta quarta-feira (14) e estreia oficialmente em toda a Paraíba na quinta (15). Um avanço em relação ao seu predecessor, Os crimes de Grindelwald é, sem dúvidas, a obra mais ambiciosa que Rowling já concebeu – e é justamente aí onde moram os maiores triunfos – e as maiores falhas – do filme.

O longa se passa seis meses após os eventos do primeiro. O poderoso bruxo das trevas Geraldo Grindelwald (Johnny Depp) está prestes a ser transferido de uma prisão nos Estados Unidos para a Europa, mas consegue escapar e se refugia em Paris, onde começa a reunir uma legião de simpatizantes à sua causa – a saber, subjugar o mundo trouxa (ou não-mágicos) aos bruxos que, para ele, seriam intelectual e fisicamente superiores. Cabe ao protagonista Newt Scamander (um Eddie Redmayne novamente amavelmente introvertido e deslocado, herói necessário em tempos de Homens de Ferro e Hulks) a tarefa de impedir Grindelwald de chegar a Credence Barebone (Ezra Miller), que por alguma razão é figura essencial aos planos do bruxo das trevas.

Embora a trama seja supostamente simples, o roteiro de J.K. Rowling decide não enfocar apenas na história e nas figuras apresentadas no primeiro filme; há uma pletora de novos subplots e personagens, de Leta Lestrange (Zoe Kravitz), antiga paixão de Newt a Theseus Scamander (Callum Turner), seu irmão; de Yusuf Kama (William Nadylan), um bruxo que também persegue Credence; passando por Nicolau Flamel (Brontis Jodorowsky) à mão direita de Grindelwald, Vinda Rosier (Poppy Corby-Tuech), o espectador deve lidar com uma tonelada de novas informações em um tempo muito curto.

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Esse novo leque de personagens deve confundir até os fãs mais fervorosos – muitas das novas aparições não haviam sido sequer mencionadas até este filme, e mesmo nomes já conhecidos, como Nagini e Flamel, parecem não ter um propósito específico a priori e soam como uma tentativa de apelar para o aspecto emocional do público. Na ânsia de ampliar e aprofundar a história, muitas das adições acabam se tornando supérfluas, embora haja uma indicação de que elas vão desempenhar papéis maiores nos próximos filmes da série. Não se sabe se J. K. Rowling recebeu ajuda durante a escrita do roteiro – no primeiro filme ela foi auxiliada pelo roteirista Steve Kloves -, mas aqui ela parece sofrer com algo que já a acompanha durante durante toda sua carreira de escritora: embora extremamente imaginativa e competente em criar mundos complexos e envolventes, a autora precisa, por vezes, de um trabalho de edição que torne seu trabalho mais sintético e objetivo. Talvez esteja na hora da Warner Bros. adotar um corroteirista que ajude Rowling a controlar o impulso criativo e as pontas soltas.

animais fantásticos: os crimes de grindelwald
Jude Law e Eddie Redmayne.

Essa confusão provocada pelo excesso de informações do roteiro acaba tornando o longa menos fluido (especialmente no segundo ato) e é aprofundada por algumas decisões questionáveis tomadas pelo diretor David Yates. Os crimes de Grindelwald se passa em três cidades diferentes – Nova Iorque, Londres e Paris – e, embora o filme recorra à letreiros para ajudar o espectador a se identificar no tempo e no espaço, em muitas das cenas não existem indicações de onde a história se passa. Algumas sequências de ação também se tornam confusas pela insistência do diretor em filmar em closes e planos e em cortes que resultam em uma montagem muitas vezes truncada. Yates também cede frequentemente a “manias” antigas (ele dirige os filmes do mundo bruxo desde Harry Potter e a Ordem da Fênix, de 2009): já ficou batido seu recurso de filmar a ascensão de elevadores com um movimento inverso de câmera.

Filme é um dos mais políticos do mundo bruxo

Se a ambição do roteiro povoou o filme de personagens desnecessárias, ela, por outro lado, se mostra ser também a maior virtude de Os crimes de Grindelwald. O episódio funciona menos como um filme isolado e mais como um capítulo de uma trama maior que ainda está sendo construída. Embora o quarteto principal de Animais fantásticos e onde habitam tenha adquirido papel secundário neste filme, Rowling consegue aprofundar com sucesso personagens como Queenie (Alison Sudol), que surpreende como uma figura de múltiplas camadas extremamente contraditória (e por isso mesmo fascinante): a necessidade de aceitação e de sair da sombra da irmã resultam em ações inesperadas por parte da jovem, mas completamente verossímeis.

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Johnny Depp como Grindelwald na segunda parte de Animais fantásticos: discurso sedutor que esconde interesses opressores lembra atual situação política de países como Estados Unidos e Brasil.

Além disso, a trama maior envolvendo Grindelwald e Alvo Dumbledore (Jude Law) desponta como o interesse principal de Rowling. Muitos fãs se preocuparam com o fato de que a homossexualidade do diretor seria apagada na história; mas, se não declara abertamente, o filme sugestiona muito fortemente a relação romântica entre ambos. Johnny Depp interpreta Grindelwald com competência, mas sem nenhum brilho particular (o que torna difícil entender a manutenção do ator no papel após a reação negativa de parte dos fãs); seu discurso de superioridade uma raça sobre a outra e de recuperação de uma moral perdida, entretanto, são extremamente atuais num mundo em que políticos populistas e moralistas assumem o poder em países como Estados Unidos, Filipinas, Turquia e Brasil. Vale também atentar para o fato que os “crimes” a que o filme se refere não englobam apenas assassinatos e desvios da lei (que são vários), mas também a a distorção de ideais e a corrupção de pessoas e de uma sociedade inteira.

Os animais fantásticos do título servem principalmente como alívio cômico e são extremamente bem construídos (os efeitos visuais do longa estão impecáveis); quem se apaixonou pelos pelúcios no primeiro filme agora tem razões em dobro para retornar aos cinemas. O filme traz, por fim, uma boa dose de nostalgia para os fãs, retornando a Hogwarts pela primeira vez desde que a série Harry Potter chegou ao fim; e tem momentos genuinamente engraçados.

O arco principal de Animais fantásticos (a série deve ter cinco filmes) dialoga, assim, tanto com os perigos do passado (o filme se passa em 1927) quanto os do presente. Rowling parece particularmente preocupada com a ascensão desse autoritarismo conservador que se traveste de um discurso de retomada de um orgulho nacional (ou de raça) e de uma moral perdidas – em certo momento, Grindelwald diz que “não odeia” os trouxas e que os considera apenas “diferentes” -, e é louvável a inserção de temas como este em uma série de entretenimento. Apesar de um segundo ato problemático e disperso, a última meia hora de Os crimes de Grindelwald é de tirar o fôlego; e o filme tem, para o bem ou para o mal, uma revelação final que é a mais chocante de todos os trabalhos de Rowling. O caminho que está sendo trilhado já está mais ou menos claro: é preciso, agora, aparar as pontas soltas e tomar cuidado para o feitiço não virar contra o feiticeiro.