Essas canções da live de Caetano nos pertencem porque são as canções das nossas vidas

Essas canções da live de Caetano nos pertencem porque são as canções das nossas vidas

Em abril, Roberto Carlos foi, entre os grandes artistas brasileiros da década de 1960, o primeiro a fazer uma live. Mas, em 2020, ele quebrou a tradição do especial natalino.

Não foi por acaso que sábado (19), em sua live de natal, Caetano Veloso abriu o programa com Muito Romântico, canção sua gravada por Roberto há mais de quatro décadas.

Boas festas, de Assis Valente, e White Christmas, de Irving Berlin, vieram em seguida, misturadas às lembranças que Caetano tem tanto dos natais de Santo Amaro quanto da sua rejeição, por muito tempo, à descaracterização dos nossos natais.

Ao redor dos presépios de Santo Amaro, havia o mundo. Depois dos dois clássicos natalinos, veio Terra, uma das suas grandes canções.

A live se estendeu por 105 minutos, com set list de 27 canções montado a partir dos pedidos enviados por fãs e amigos, gente famosa e gente anônima.

Foi de Avarandado, lá do início da carreira, à inédita Autoacalanto, composta para o neto mais novo, Benjamin, que tem sete meses.

Lindamente, Zeca dividiu o vocal com o pai em White Christmas.

Com seu violão preciso, Tom acompanhou Caetano em Trem das Cores.

Moreno, o filho mais ligado às coisas de Santo Amaro, tocou prato e faca em Reconvexo.

Por certo, é uma obviedade dizer que fomos presenteados por esse grande artista brasileiro. Mas foi isso mesmo o que aconteceu.

Ao acolher pedidos e sugestões e ao fazer delicadas e ternas dedicatórias, Caetano compartilhou sua obra e sua generosidade com todos os que o ouviram, como se dissesse que essas canções também nos pertencem porque são canções das nossas vidas.

Creio que não encontrarei boas palavras para traduzir o significado do encontro natalino com Caetano Veloso, esse cara que está perto de nós há mais de cinco décadas com canções e muitas outras coisas que brotam da sua extraordinária inteligência e estão traduzidas em sua persona pública. Ele, sim, tem sempre boas palavras a nos dizer.

Há muitos anos, Caetano falou sobre a relação profunda que existe entre o cancioneiro popular brasileiro e o nosso destino enquanto nação. Seu songbook é parte importante dessa relação. O repertório da live de sábado, sua síntese.

Não é à toa que O Leãozinho é pedida por crianças e a elas foi dedicada. Alguns pais nem eram nascidos quando a música foi composta e gravada, e ela conserva sua beleza na travessia do tempo.

Comove-nos ver a menina Lilica Rocha, de apenas seis anos, cantar Tigresa, acompanhando-se ao piano, e saber que isso aponta para o futuro.

Uma amiga ainda bem jovem me disse que essa live acalentou muitas almas aflitas. Ela encontrou boas palavras se pensarmos na gravidade da pandemia e nas incertezas do nosso cenário político.

Caetano fechou com Gente.

“Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome” – como fala alto esse verso, entre belezas como Caetano e tanta desigualdade.