Jovens que se interessam por crítica deviam ler Cinema por Escrito. Aprenderiam muito

Uma conversa casual com um amigo me levou mais uma vez ao livro Cinema por Escrito, de Antônio Barreto Neto, que, em 2010, publiquei como organizador. Barreto – para os mais jovens, os que não foram seus contemporâneos – foi o mais expressivo, o melhor mesmo, crítico de cinema que a Paraíba teve. Ele atuou nos jornais de João Pessoa entre a década de 1960 e a de 1980.

O livro, dizia ao amigo, e me perdoem os leitores pela ausência de modéstia, muito me orgulha. O trabalho, no fundo, ainda é fruto das minhas conversas com Barreto, que morreu no ano 2000, aos 62 anos – a idade que tenho hoje. E talvez a coincidência da idade me leve a esse retorno a Cinema por Escrito. E a refletir sobre a passagem do tempo.

Eu dizia a Barreto que era necessário reunir críticas dele num livro. Como resposta, ouvia sempre que não. Aquilo era feito para publicação e leitura imediata no jornal – defendia esse argumento, confirmando a sua ausência de vaidade. Nunca me convenceu. Era necessário produzir a compilação para dar um formato menos perecível a um conteúdo de tanta qualidade.

Esta era a minha opinião. E foi o que me levou a fazer o livro, uma década depois da sua morte. Cinema por Escrito é um retrato de Antônio Barreto Neto tirado por mim. E tem, nem que seja num traço mínimo, algo de autorretrato. Sim. Na medida em que a escolha dos textos se deu num trabalho solitário. É toda minha. É um olhar pessoal sobre o trabalho de alguém por quem sempre tive profunda admiração.

A crítica de Barreto era incrível no tempo em que foi feita e publicada. Quase seis décadas já nos separam das primeiras, mas elas permanecem extremamente atraentes, porque atuais. Seduzem o leitor pela fluência do texto e pela extraordinária capacidade que o autor tinha de produzir um conteúdo de leitura fácil, mas de abordagem nada superficial.

O amigo que provocou o texto que posto nesta segunda-feira (20) me disse que ficou relendo Cinema por Escrito e destacando trechos que chamavam a sua atenção. Aí lembrei de uma reunião de breves opiniões de Barreto sobre grandes cineastas, que já publiquei, e fecho a coluna de hoje republicando.

CHARLES CHAPLIN

Legou-nos um símbolo de humanidade imperecível, que haveremos de ter sempre ao nosso lado, ligado a nós por filamentos de ternura e participando, numa mistura de riso e entalo na garganta, de nossas privadas pantomimas.

FRANK CAPRA

Capra é, além de um grande artista, um grande humanista. Seu profundo sentimento do mundo, sua inabalável fé na bondade do homem, seu otimismo eufórico e bem-humorado são atributos essenciais deste filme apólogo A Felicidade Não se Compra.

INGMAR BERGMAN

Para o angustiado Bergman, a arte não tem mais nenhum poder, nenhuma possibilidade de influenciar a vida. Não é mais uma forma de conhecimento humano. É um universo irreal, abstrato, povoado de fantasmas.

PIER PAOLO PASOLINI

Chamado de demagogo reacionário pela esquerda festiva e de marxista agnóstico pela direita radical, Pasolini é um homem sensível ao fenômeno social e religioso no plano onde não é mais o estudioso que procura uma explicação, mas o artista que se deixa levar fascinado pelo assunto.

MICHELANGELO ANTONIONI

Toda a sua obra tem sido uma profunda meditação sobre o impasse do homem contemporâneo diante daquilo que o cineasta chama de transformação antropológica, ou seja: as mudanças impostas pelo desenvolvimento tecnológico e a impossibilidade de o homem compreendê-las e agir sobre elas.

FEDERICO FELLINI

Como legítimo poeta, Fellini reinventa a realidade ao sabor da fantasia. Seu universo cinematográfico – um mundo estranho e fascinante, situado nas fronteiras entre o real e o mágico – é uma criação mais da imaginação do que da memória.

GLAUBER ROCHA

Seus filmes formam um painel ideológico de intuições agudas e surpreendente senso profético, um universo aparentemente caótico, mas extraordinariamente lúcido, no qual as contradições de nossa convulsionada realidade nacional e continental se acham recriadas na própria estrutura da linguagem.

LUCHINO VISCONTI

Visconti não faz comício, não posa de sociólogo, nem arma polêmicas estéreis. O fato de enfocar os problemas de um ponto de vista marxista, não incompatibiliza, nele, o político com o esteta.