Gilberto Gil ainda era criança quando disse à sua mãe que queria ser “musgueiro”

Gilberto Gil ainda era criança quando disse à sua mãe que queria ser "musgueiro"

Sigo com mais um post sobre Gilberto Gil, que completa 80 anos neste domingo, 26 de junho.

Baiano de Salvador, criado em Ituaçu, Gilberto Passos Gil Moreira, desde muito cedo, ainda na infância, disse à sua mãe que queria ser “musgueiro”. A primeira descoberta musical foi Luiz Gonzaga. O primeiro instrumento, a sanfona. Mais tarde, vieram João Gilberto e o violão, que já tocava habilmente quando se apresentava nos programas de televisão da Salvador do início da década de 1960. Era universitário, mas vivia dividido entre os rumos da carreira de administrador de empresas, que escolhera, e a música. Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa entraram na sua vida ainda na Bahia. Os Doces Bárbaros, que formaram em 1976, quando já eram famosos, na verdade eram uma reedição de Nós, Por Exemplo, o show que apresentaram no Teatro Vila Velha, na primeira metade da década de 1960.

A ida para São Paulo o aproximou da música como atividade profissional, ao mesmo tempo em que o colocou no mercado para atuar, como administrador, numa grande empresa. Os que estavam perto dele naquela época lembram bem. Uma vez, ouvi o relato de Luiz Chaves, contrabaixista do Zimbo Trio: no começo da noite, Gil aparecia nos ensaios da TV Record, vestido de empregado de uma multinacional, com a pasta numa mão, o violão na outra. A música logo o levou a deixar a empresa.

Se quisermos conhecer o que compunha antes do Tropicalismo, deveremos ouvir o disco de estreia, Louvação, lançado pela Philips em 1967. O que fazia antes do movimento tropicalista remete às influências da música nordestina, mas também à Bossa Nova. E o insere no universo resguardado da esquerda pós-bossa. Onde estava, por exemplo, Elis Regina, que foi sua intérprete e o ajudou no momento em que se preparava para conquistar dimensão nacional.

“O Tropicalismo é filho da lição de Pernambuco”, me disse Caetano Veloso numa entrevista em 1998. O que ele chama de “lição de Pernambuco” é a passagem de Gil pelo Recife em 1967, um pouco antes do festival que deflagraria o movimento. Durante a temporada no TPN, ficou impressionado com muitas coisas. A força das manifestações culturais, o desejo de resistência ao golpe que três anos antes tirara o país do caminho da democracia, a fome na região, as pessoas que conheceu; a cena que encontrou no Estado que vivera a experiência marcante do governo de Miguel Arraes, da fundação da Sudene, das ações transformadoras do educador Paulo Freire. Tudo isto fez Gil voltar para o Rio e para São Paulo com as ideias que logo resultariam no Tropicalismo.

Mas não foi fácil convencer os colegas de que era possível mudar os rumos da música popular brasileira. Pensá-la como um produto que fundiria a Banda de Pífanos de Caruaru aos Beatles era algo que poucos assimilavam nas reuniões que Gil promoveu. O resultado do projeto dele, e de Caetano Veloso, apareceria logo depois no festival que a TV Record realizaria em 1967. Os dois (Gil com Domingo no Parque, Caetano com Alegria, Alegria) incorporavam as guitarras elétricas à MPB, que até então só eram admitidas na Jovem Guarda.

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Volto com outros posts sobre os 80 anos de Gilberto Gil.