Lembranças de todos os shows que Gal Costa fez em João Pessoa

Li nesta quarta-feira (09), aqui mesmo no Jornal da Paraíba, matéria que relembra os shows de Gal Costa (Foto/Divulgação) na Paraíba. Como o texto só mencionava três shows (em 1995, 2015 e 2019), registro, nesta quinta-feira (10), para ser justo com a memória, todas as passagens de Gal por João Pessoa.

Entre 1975 e 2019, Gal cantou dez vezes para a plateia pessoense. Foi pouco para uma artista com 55 anos de carreira, se tomarmos como referência o lançamento do primeiro álbum – Domingo, em parceria com Caetano Veloso, de 1967. Segue um pouco sobre cada show:

CANTAR, 1975

No Teatro Santa Roza. Turnê realizada a partir do álbum homônimo, produzido por Caetano Veloso. Em Cantar, Gal não era mais labareda. Voltara a ser veludo e cristal. Era cool, joãogilbertiana. Contava com o auxílio luxuosíssimo de João Donato nos arranjos e no teclado. Na passagem de Cantar por João Pessoa, o som pifou na primeira noite. Na segunda, Gal teve que fazer dois shows. Veludo, cristal e labareda foi como Nelsinho Motta definiu a voz da cantora.

CARAS E BOCAS, 1977

No ginásio de esportes do Clube Astrea. Era o show de Tigresa no ano das patrulhas ideológicas. Quem estava nos teclados era Wagner Tiso, companheiro de Milton Nascimento no Clube da Esquina. Gal enfrentou uma plateia hostil e até uma pequena vaia quando anunciou que ia cantar uma música americana. Era Negro Amor, versão que Caetano Veloso fez de It’s All Over Now, Baby Blue, clássico do repertório de Bob Dylan. Uma anotação particular: conheci Jomard Muniz de Britto, guru tropicalista, na noite de Caras e Bocas.

GAL TROPICAL, 1980

No ginásio de esportes do Clube Astrea. Gal esfuziante, arrebatadora, brasileiríssima, a partir de uma ideia do empresário Guilherme Araújo. A voz no auge, emissão perfeita. Uma inacreditável Força Estranha acústica, voz e violão. Os agudos de Índia. Gal cantando Balancê. E o “duelo” da artista com o guitarrista Victor Biglione em Meu Nome é Gal, que Roberto e Erasmo compuseram para ela em 1969. Tudo guardado para sempre no HD da minha memória afetiva.

PLURAL, 1991

No Teatro Paulo Pontes. Gal fazia a turnê do álbum homônimo. No palco, havia o encontro de sonoridades que podiam parecer antagônicas, mas, no fundo, remetiam a origens, a matrizes, a fontes. Acompanhada apenas por um violão, Gal revisitava Noel Rosa. Cantando Jorge Ben, soltava o corpo e os cabelos, guiada pela percussão da música baiana. Um luxo ver o show num teatro com 800 pessoas.

MINA D’ÁGUA DO MEU CANTO, 1995

No Teatro Paulo Pontes. Juntar canções de Caetano Veloso e Chico Buarque num único disco. Sair em turnê interpretando essas canções. Assim era Mina D’ Água do Meu Canto. Gal outra vez bem cool, muito técnica, bastante contida. Um repertório de pérolas do Caetano que ela tanto gravou e do Chico que ela gravou pouco. Dois autores gigantes de uma geração relidos por uma das vozes gigantes da mesma geração. Desalento, um lado B de Chico, era lindo de se ouvir/ver ao vivo.

GAL COSTA CANTA TOM JOBIM, 1999

No ginásio de esportes do Clube Cabo Branco. Tom Jobim e Gal Costa iam fazer um disco juntos. O projeto foi interrompido em 1994 com a morte de Tom. Em Gal Costa Canta Tom Jobim, show, álbum-duplo e DVD ao vivo, Gal oferece um precioso songbook do maior compositor popular do Brasil. Ela revisita os diversos tons de Tom num tributo superb. A direção musical e o piano são de Cristóvão Bastos.

RECANTO, 2014

No Busto de Tamandaré. Primeiro tem o álbum Recanto, em 2011. Um disco de Caetano Veloso, só com músicas de Caetano, mas cantado por Gal. Uma experiência incrível, radical, de timbres eletrônicos, que recolocou Gal no seu lugar mais criativo e ousado. Depois tem o show que levou para o palco o experimentalismo do álbum, e a ele acrescentou pérolas de diversas fases do repertório da artista. Extraordinário!

ESTRATOSFÉRICA, 2015

No Teatro Pedra do Reino. Recanto deu um grande impulso à carreira de Gal. Ao álbum feito em parceria com Caetano, seguiu-se Estratosférica, que associava Gal a muitas novidades. No estúdio e no palco, Estratosférica era grandioso, ainda que sem o caráter radical do trabalho anterior. No set list, outra vez o novo se cruzava com os hits de sempre. Seu êxito está associado à parceria fundamental da artista com o produtor Marcus Preto.

TRINCA DE ASES, 2017

Na Domus Hall. Tinha optado por registrar apenas os shows solo. Mas, a pedido de uma leitora, acrescento o Trinca de Ases, em que Gal dividia o palco com Gilberto Gil e Nando Reis. Começou em Brasília numa homenagem aos 100 anos do nascimento de Ulysses Guimarães, acabou virando uma turnê com CD duplo e DVD ao vivo. Nando Reis imprimia sua pegada roqueira.

A PELE DO FUTURO, 2019

No Teatro Pedra do Reino. O álbum tinha um clima meio disco music dos anos 1970, tinha um dueto maravilhoso com Marília Mendonça e grandes canções inéditas. No palco, a guitarra de Pedro Sá fazia o riff de Dê um Rolê e jogava o espectador numa viagem por várias épocas. A canção de Gil parecia tão premonitória: “O sonho dessa canção passageira/Mochila da viagem passageira/Passagem nessa vida passageira/Para uma vida ainda passageira”. A Pele do Futuro foi a última vez de Gal em João Pessoa.