Aos 60 anos, Chico César trabalha com o verdadeiro tamanho que tem na música brasileira

Vi Chico César pela primeira vez em 1980, durante um festival que estudantes do Unipê realizaram no Teatro Santa Roza. Aos 21 anos, eu atuava no jornalismo cultural e fui jurado naquele evento. Chico tinha 16 anos e ainda não aparecia como protagonista, mas acompanhando alguém.

Convivemos a partir de 1982, no curso de jornalismo da UFPB. Um dia ele apareceu com o violão na aula, pedi que me mostrasse as músicas que compunha. Cantou uma, duas, três, quatro. Eram todas muito boas. Provocaram impacto semelhante ao Pedro Osmar do tempo em que fazíamos o curso ginasial, começo da década de 1970.

O Chico César do início dos anos 1980 era um menino rebelde, provocador (“Vamos afogar os burgueses nas piscinas”, disse na sala de aula, para horror do professor de jornalismo impresso), ligado ao Jaguaribe Carne e à guerrilha cultural de Pedro Osmar.

Quando foi repórter do jornal O Norte, o jornalista se transformou na notícia: abandonou a pauta para fazer greve de fome na universidade em protesto contra os serviços oferecidos pelo restaurante universitário.

Logo João Pessoa se tornou pequena para Chico César e sua música. Escolheu São Paulo, onde atuou tanto como jornalista quanto como compositor. Estudou na escola do Zimbo Trio, conquistando maturidade e adquirindo experiência até o momento em que se projetou nacionalmente, em meados da década de 1990.

Em 1995, Chico chegou à indústria fonográfica com um disco de voz e violão gravado ao vivo. Aos Vivos, assim se chamava. Mama África e À Primeira Vista são desse álbum, tempo em que ouviu de Ivan Lins que ele era a melhor coisa surgida na MPB desde Djavan.

Da pequena Velas, que tinha Ivan Lins e Vítor Martins como sócios, migrou para a gigante Universal Music. Aos Vivos abriu as portas para Cuscuz Clã, que tinha a assinatura do tarimbado produtor Mazzola. Criticado por uns, aplaudido por outros, Chico não resistiu à investida do mercado.

O show da turnê Cuscuz Clã era arrebatador. Passou por João Pessoa em 1996, numa noite memorável no Teatro Paulo Pontes. Chico, sua banda, a força e a beleza da música que fundiu o Nordeste da pequena Catolé do Rocha com o pop e o experimental que encontrou em São Paulo.

Chico provou do sabor do sucesso instantâneo e também decepcionou os que viram nos sons de Cuscuz Clã uma jogada comercial de gosto duvidoso. Interessante é que, à época, ouvi de Belchior que o sucesso fugiria das mãos de Chico com a mesma velocidade com que chegou.

Belchior, que experimentara algo semelhante duas décadas antes, acreditava que só mais tarde Chico César conheceria sua real dimensão dentro da música popular do Brasil e do mercado de discos. Belchior tinha razão.

Aos Vivos é de 1995. Cuscuz Clã, de 1996. Beleza Mano, de 1997. O primeiro álbum conduziu ao sucesso no segundo. O terceiro – como o quarto, Mama Mundi, de 1997 – não repetiu o êxito do segundo e confirmou a tese de Belchior. Chico errou na gestão do sucesso ou simplesmente foi rejeitado pela indústria do disco?

O fato é que seu grande talento nunca esteve em jogo. Mas ele precisou se reposicionar no mercado. Não há de ter sido fácil, mas deu certo. Hoje, com uma carreira consolidada e um público fiel, Chico vive e trabalha com o verdadeiro tamanho que tem na música popular do Brasil.

Grava álbuns regularmente, faz turnês nacionais e internacionais e se posiciona como o cidadão de esquerda que nunca deixou de ser. Domado pelo tempo e pela maturidade, mas, de vez em quando, contundente como quando era jovem.

Neste 26 de janeiro de 2024, Francisco César Gonçalves faz 60 anos em permanente estado de poesia – me permitam o uso do clichê. É um dos artistas que orgulham a Paraíba. E está entre o que a música brasileira produziu de melhor nas últimas três décadas.